quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Jamaica no verão de São Paulo - Crônicas da cidade plural.

Sou fã incondicional da música jamaicana.
Pode parecer estranho aos olhos de alguns alienígenas esta declaração de amor ao reggae, ao mento, ao calipso, e principalmente, ao ska.
Mormente quando quem a faz é um senhor de setenta e seis anos, que deveria estar preocupado com outros cometimentos mais compatíveis com a sua idade.
Porém nesta cidade de São Paulo que acolhe a todos, com a mesma empatia, o ska andou colecionando adeptos durante anos seguidos e faz parte da cultura paulista tanto quanto a marcha sambada do Geraldo Filme, o samba sincopado do Germano Matias, ou o samba italo-caipira-escachado do Adoniran, que também coleciono em meus amores mais secretos.
Além disso o ska está na raiz de muitos temas do Paralamas do Sucesso (exemplo: Meu Erro - Herbert Viana), do Ultraje a Rigor, dos Titãs, do Kid Abelha, Capital Inicial, Engenheiros do Hawai, Legião Urbana, e pasmem, do pioneiro querido Renato e seus Blues Caps (Sham & Scandal –uma faixa dos discos que ganhei do meu neto Thiago), e permanece vivo nas apresentações do Móveis Coloniais de Acaju.
Falando nisso, por andará o Madame Machado?


Data de 1720 o tema do primeiro registro musical que consegui obter referente à grande ilha da Jamaica.
Quando a chalupa William, do pirata Jack “Chita” Rackham foi capturada.
No momento da captura, somente dois piratas resistiram à prisão: Bonny e Read.
Eram duas mulheres.
A primeira era Anne Bonny, e a segunda, Mary Read, que foi criada como menino para poder reclamar sua herança, pois na ocasião as mulheres não eram herdeiras legais de ninguém.
Read serviu na marinha antes de ser capturada por piratas a bordo de um navio mercante.
Anne Bonny deixou o marido, que era marujo, e seguiu com seu amante, Jack “Chita” Rackham.
O registro musical refere-se à “Balada de Anne Bonny e Mary Read”:

“Suas mãos endurecidas
pelo piche e pelo breu
já tiveram do veludo
a maciez.
Elas levantavam âncora ,
assumiam o comando
e corajosamente subiam
para o topo do mastro...”

Você, que atravessa o Atlântico reclamando porque o passageiro do Airbus que sentou à sua frente deitou o assento mais do que devia, poderia considerar, por um breve instante, o que significaria subir por cordas até o topo de um mastro, a trinta metros sobre o mar em fúria, sem capacetes nem cintos de segurança, lutando contra o vento furioso e ao mesmo tempo tentando manejar a lona de duzentos quilos, a vela que deverá ser retirada ou colocada, manobra sem a qual o barco poderá naufragar. Com chuva a lona costumava pesar o dobro...
Anne Bonny e Mary Read....

Calipso: Jamaica - Trinidad-Tobago.
Música, canto e dança predominantes em Trinidad e Tobago, territórios independentes, porém integrados no Commonwealth britânico.
O calipso é uma das batucadas existentes na região e todas elas são semelhantes às batucadas das senzalas do Brasil colonial.
O calipso evoca os tempos do domínio inglês e retrata a vida do negro e suas histórias: amor, bebedeiras, injustiças, eventos sociais, etc.
No passado era acompanhado pelos sons dos atabaques, chocalhos e reco-recos.
Atualmente, abandonados os tambores tradicionais, deram lugar aos recipientes de gasolina, e formaram as atuais e famosas steel-bands, nas quais, usando varas metálicas, os músicos percutem a parte superior das grandes tambores de 200 litros modificados e afinados. .
As letras são compostas em um dialeto chamado negro-english.

Mento: Jamaica.
Durante os anos quarenta foi o estilo musical mais popular da Jamaica.
Surgiu provavelmente da mistura dos tangos, merengues, rumbas, pascos, sambas e calipsos que levaram para a ilha trabalhadores jamaicanos retornando da América Central e de Trinidad-Tobago.
O gênero dominou a Jamaica até o inicio da segunda guerra mundial.
Existem relativamente poucas gravações do mento original.
Certamente os primeiros sons musicais que Bob Marley (ver reggae) ouviu foram os do mento (afirmação da mãe do cantor já falecido).
Alguns dos intérpretes desse estilo juntaram-se e formaram um conjunto musical chamado “The Jolly Boys”, procurando relembrar o espírito do mento.
Dessa forma reapareceu, nos anos noventa, o ritmo esquecido e as canções que falavam em beber rum e em mulheres encantadoras, temas presentes nas canções dos antigos.

Em 1995 realizou-se em Cáceres, na Espanha, o “Festival Womad”.
O grupo “Jazz-Jamaica” apresentou o mento como um ritmo de vaga origem espanhola.
Para surpresa de todos, casais espanhóis com mais de cinqüenta anos entraram na dança e continuaram até o fim, associando o mento ao passo-doble como era executado nos anos das suas juventudes.
O mento foi parte importante na criação do ska, mistura igualmente decisiva para o aparecimento do reggae.

Reggae: Jamaica.
O reggae é, desde os anos setenta, o ritmo mais conhecido da Jamaica. Bob Marley, cantor de reggae, conseguiu influenciar quase todos os recantos do mundo.
A moderna história musical da Jamaica parece ter começado a partir da segunda guerra mundial e, em quarenta ou cinqüenta anos, ultrapassou as fronteiras do país.
Porém os processos musicais jamaicanos surgiram no final do século dezenove.
Fala-se inglês no país e em Londres sempre existiu uma grande colônia de jamaicanos.
A ilha tornou-se politicamente independente em 1962 e registrou o aparecimento de uma geração urbana de jovens rebeldes Entre eles uma espécie de “filosofia” atuou como elemento de coesão para a maioria dos músicos de maior projeção: a “rastafari”.
Concomitantemente houve o desenvolvimento dos “sound systems” e das “DJ’s”, pequenas discotecas móveis que podiam instalar-se em qualquer lugar.
Surgiu na ilha da Jamaica (situada a alguns quilômetros ao sul de Cuba, no mar do Caribe) uma caótica e desenvolta atividade discográfica.
Enquanto crescia a importante comunidade jamaicana na Inglaterra, confrontava os costumes da terra natal com a nascente atividade musical britânica (rock anglo-saxônico).
Assim sendo, alguns produtores musicais da Jamaica fixaram-se na Inglaterra (por exemplo Chris Blackwell - ver ska) e ajudaram a compor o sincretismo musical responsável pelo aparecimento do ska, ou do raggamuffin e do reggae.
Não deve ser desprezada a influência do rock’n roll britânico no aparecimento do ska e do reggae. Na verdade ela foi importantíssima.
Não fora a excursão jamaicana pela Inglaterra e talvez esses ritmos não tomassem corpo (como ocorreu no caso da primeira onda do ska, tomando a costa oeste norte-americana).
A cantora britânica Amy Winehouse entendeu a participação inglesa na criação do ska, e tratou o gênero com competente patriotismo


Da atual população jamaicana de dois milhões de pessoas, setenta e oito por cento são negros, dezessete por cento são mestiços e apenas cinco por cento são brancos.
Negros procedentes de Gana, treinados militarmente pelos espanhóis, em meados do século dezessete, resistiram à invasão inglesa refugiados nas montanhas e nos lugares mais seguros da ilha.
Formaram os grupos chamados de “maroons”, negros que jamais foram escravizados.
Ainda hoje eles vivem nas montanhas, em comunidades, e celebram cerimônias que conservam e relembram as raízes africanas.
A eles juntaram-se os indivíduos conhecidos com “Bongo Nation”, que adotavam princípios culturais semelhantes, negros livres vindos de Angola e contratados para trabalhar após o fim da escravidão em 1807.
Como aconteceu na ilha de Cuba, as montanhas se tornaram espaços de liberdade, e a música um veículo de comunicação nesses espaços libertários.
A música jamaicana dos negros montanheses não foi influenciada por nenhum outro conceito europeu ou ocidental, conservando sem refinamento a sua pureza original.
Ver mento e ska..
.
Ska Jamaica.
O mento era um gênero musical que dominava a Jamaica.
Alguns homens do marketing musical jamaicano tentaram vender o mento como “a essência do calipso jamaicano” para outros países.
A tentativa fracassou em primeira instância.
Então Hupert Porter, Lord Flea e Joseph “Lord Tamano” Gordon juntaram instrumentos e saíram em turnê pela América Central e costa oeste dos Estados Unidos.
Retomavam assim a iniciativa de introduzir o mento naquelas paragens.
Porém, durante a viagem, ouviram o R & B (rhythm & blues).
Juntaram o mento ao R & B e surgiu uma nova batida, dançante, caracterizada pelo scratch da guitarra.
Era o Ska, cujo maior sucesso aconteceu no final da década de 50 e início da década de 60.
O novo ritmo consolidou-se, a partir do mento, calipso, jazz e rhythm & blues.
E dele surgiram o rocksteady e o reggae.
Os primeiros discos single de Ska, LP’s compactos de 7 polegadas com uma ou duas faixas em cada lado, às vezes em 45 rpm, foram gravados na Jamaica, por Chris Blackwell, pelo tecladista Jerry Dammers, da banda “The Special” e fundador do selo inglês Two-Tone, e Rob “Bucket” Hingley, criador do selo norte-americano Moon (recentemente - 1980 - Moon Ska Records) e da banda “Toasters”.
Assim, o Ska foi popularizado pelos vinis jamaicanos, pela gravadora inglesa Two-Tone e pela gravadora norte-americana Moon.
Contudo, não só de R&B viveu o Ska.
No final dos anos cinqüenta o Ska sofreu influências, além do rythm and blues de Nova Orleans, das Big bands do jazz , e sobretudo pelo boogie de Louis Jordan (um musico que obteve sucesso em 1945, em Nova York, fazendo uma mistura entre o swing e o rythm and blues, ou R&B ).
O concurso do Teatro Ambassador, em Kingstown, na Jamaica, em 1942, juntou o cubano Laurel Aitken (com 15 anos de idade) a outros percussores do Ska como Owen Grey e Jackey Edwards.
(Ver mento e reggae.)
A segunda onda do Ska aconteceu nos anos 70 e 80, quando ingleses do “The Special” e do “Madness” usaram o ritmo para tecer comentários sociais e foram ao topo das paradas.
A terceira onda do Ska ocorreu nos anos 90, marcada pela mistura com o hardcore e o sucesso efêmero e frágil.
Em 2008, Amy Winehouse, cantora britânica que fez sucesso com um estilo baseado na música negra norte-americana dos anos 60, resolveu homenagear o ska.
Lançou um compacto, em vinil, com quatro clássicos daquele estilo musical.
A capa do compacto reprisa fielmente a do 45 rpm da década de 60, produzido pela Two Tone, selo criado pelo tecladista Jerry Dammers, da banda “The Special” e revive o estilo gráfico, em preto e branco.
Amy gravou quatro clássicos: my

1- “Cupid” (ska), Sam Cooke (ídolo do soul).
2- “Monkey man” (ska), Toots & The Maytals.
3- “Hey Little Rich Girl” (ska), The Specials.
4- “You’re Wondering Now”, Andy & Joe.

A cantora faleceu recentemente, e eu ando atrás daquele disco, sem nenhum sucesso até agora.
Criada pelos integrantes dos Toasters na década de 80. a Moon Ska Records produz grupos e canções das tradições jamaicanas e inglesas do ritmo alucinante. Muitos dos exemplos que colocamos abaixo fazem parte do CD “Mestres do Ska” e estão identificados por: (MS)

Exemplos:
Conjuntos estrangeiros: os conjuntos estrangeiros que tocaram o ska gravaram muitos vinis, hoje preciosidades discográficas:
1- “Los Malarians” - conjunto madrileno de ska. Laurel Aitken, nos anos noventa, participava desse grupo.
2- “The Skatalites” - embora o aparecimento das guitarras elétricas tivesse contribuído para a evolução do Ska nas ruas de Kingstown (Capital da ilha da Jamaica), esse conjunto, a partir de 1963 passou a formular seu som a partir de arranjos de sopro, liderados pelo sax tenor Roland Alphonso cubano (1936), ou pelo trombonista jamaicano Rico Rodríguez (1934). Rodríguez, nos finais dos anos setenta tornou-se celebridade, mediante a recuperação do Ska nas ilhas britânicas. A primeira onda do Ska veio desta banda. Contou com o apoio de divulgação de Chris Blackwell, o branco jamaicano que levou discos do seu pequeno selo Blue Mountain para a Inglaterra. Entre os artistas do Blue Moutain estavam também Jimmy Cliff e Bob Marley, que antes de fazer reggae, tocava Ska.
Intérpretes: The Skatalites. LP Greetings From Skamania.
3- “Madness”
Intérpretes: Madness. LP One Step Beyond.
4- “The Specials”
5- “The Toasters”
Intérpretes: The Toasters. LP Let’s Go Bowling.
6- “Bravery” - quinteto nova-iorquino poser que tocava ska. Em 2005 entrou na onda do dance-rock, na esteira do Killers. Ver dance-rock.
7- “The Toasters”- Don’t let the bastards grind you down (MS)
9- “Bad Manners” - Heavy Petting (MS)
10- “Spring Heeled Jack” - Pay same dues (MS)
11- “Magadog” - Less Baltimore (MS)
12- “Skanic” - Closet case (MS)
13- “The Skalars” - High School (MS)
14- “The Scofflaws” - Nude Beach (MS)
15 “-Skavoovie & The Epitones” - Blood red sky (MS)
16- “Mobtown” - Remember (MS)
17- “The blue beats” - Hardest working man (MS)
18- “Dr. ringding & The seniors all stars” - My sound (MS)
19- “Tricia & The Super Sonics” - Wings of a dove (MS)
20- “The porkers” - Goin’ off (MS)
21- “Subtones” - Dias rudes (MS)
22- “Mr. Rude” - Sempre assim (MS)

Conjuntos brasileiros: Conjuntos brasileiros que tocaram ska em algum momento de suas trajetórias:
Paralamas do Sucesso - Skank - Ultraje a Rigor - Titãs - Kid Abelha - Capital Inicial - Charlie Brown Jr. - Engenheiros do Hawai - Legião Urbana - Renato e seus Blue Caps (segue, mais adiante, uma lista em ordem alfabética para ajudar o colecionador).
Comentários: Existe, ou existiu um fanzine só sobre ska e bandas de ska no Brasil. Disco de vinil de ska pode (ou podia) ser encontrado na Galeria do Rock, na avenida São João, em São Paulo (em frente ao Largo Paissandu).
1- “Skamoondongos”
Intérpretes: Brasil. 1995.
2- “Skuba”.
Intérpretes: Curitiba, Brasil. 1996.
3- “Senhor Banana”.
Intérpretes: Brasil. 1994-1996.
4- “Proesso. Antena”.
- “O Médico e a moça” (ska), Professor Antena.
Intérpretes: Professor Antena . Video Clip disponível.
5- “Anjos do Beco”.
Intérpretes: Anjos do Beco. 1997.
Comentário: disco produzido por Bigi, ex-baterista do “Professor Antena”.
6- Várias bandas.
Intérpretes: várias bandas. Paradox. 1997.
7. “Renato e Seus Blues Caps.
“Sham & scandal” (ska), Renato e Seus Blues Caps.
Intérpretes: Renato e Seus Blues Caps. 1965.
8- “Kongo”. Banda unicamente de ska, produzida por Bi Ribeiro, baixista do Paralamas do Sucesso. Durou pouco. A banda era diretamente influenciada pelas bandas inglesas da gravadora inglesa Two-Tone ( Two-Tone pretendia significar que a gravadora era destinada a trabalhar, indiferentemente, com musica branca e musica negra).
Intérpretes: Kongo. LP King Kong
9- “Boi Mamão” (Paraná-Brasil).
Comentário: tocava ska-core.
10- “Maskavo Roots” ( Brasilia, DF).
11- “Paralamas do Sucesso”.

“Meu erro”
(ska), Herbert Vianna.

“Eu quis dizer - você não quis escutar
agora não peça, não me faça promessas.
Eu não quero te ver
nem quero acreditar que vai ser diferente
que tudo mudou (...)”

Intérpretes: Paralamas do Sucesso. Emi-Odeon . LP Passo de Lui (1984).

“Ska” (ska), (Herbert Vianna.

“A vida não é filme
você não entendeu
ninguém foi ao seu quarto quando escureceu
saber o que passava no seu coração (...)”

Intérpretes: Paralamas do Sucesso. Emi-Odeon . LP Passo de Lui.
Ver também: Paralamas do Sucesso: “Cinema Mudo” (1983).

12. - Legião Urbana.
“Depois do Começo”. LP “Que país é este?”

13- Engenheiros do Hawai.
LP - “Longe Demais das Capitais”. 1986.

Relação de bandas brasileiras (SKA) em ordem alfabética:
Abraskabdabra (Curitiba - Paraná).
Aniska (Poços de Caldas - Minas Gerais).
Atomic Nachois (Campinas - São Paulo).
Bois de Gerião (Brasilia DF).
Coquetel de Acapulco (Rio de Janeiro).
Djangos (Rio de Janeiro).
Extra Stout (São Paulo).
Fireburg (São Paulo).
Follow the Egg.
Kin Bassan Orchestra (São Paulo).
Kongo (Rio de Janeiro).
La Bamba (Rio de Janeiro. A banda mais tradicional da época).
Lucky Ska Walker (Santos).
Madame Machado.
Maleducados (São Paulo).
Moveis Coloniais de Acaju (Brasilia DF).
Mr. Rude.
Namoska (Goiás).
Os Baboom.
Paralamas do Sucesso.
Piolho de Frango (São Paulo).
Radio Ilusion (Ceará).
Radio Ska.
Rudeness.
Rusty Machine (Americana-São Paulo).
Sapo Banjo.
$ifrão (Alagoas).
Skamoondongos.
Skambo (Rio de Janeiro).
Skanahall (Maringa-Paraná).
Skarangueijos (Florianopolis - Santa Catarina).
Skarrapatos (Guarulhos - São Paulo).
Skuba.

Ska, o pai do reggae: Em 26/27 e 28 de janeiro de 2006, o Festival Sons de Uma Noite de Verão aconteceu no SESC Pompéia, em São Paulo - Brasil. E juntou uma tribo estranha: terninhos em combinação branco-e-preta e chapéus ao estilo de personagens de cinema, detetivescos, à la Humphrey Bogart. A tribo, era a “rude boy”, uma evocação ao personagem símbolo da onda iniciada nas grandes festas a céu aberto das ruas de Kingston, nos anos 60.
O branco e preto, espécie de tabuleiro de xadrez, era homenagem à gravadora “Two-Tone”.
Kingston, todos sabem, é a capital da Jamaica, cidade construída após a antiga capital , Port-Royal, em 7 de junho de 1692, ter sido totalmente engolida pelo mar, durante um formidável terremoto.
Eu escrevi mil seiscentos e noventa e dois, mesmo!
O festival de ska proposto pelo SESC Pompéia apresentou não só antigos grupos ligados à raiz do ska mas também grupos sul-americanos que gostavam de interpretá-lo à sua moda, com as influências domésticas.
No primeiro caso, estavam “The Slackers”, e no segundo caso, a banda de venezuelanos “Desorden Público”, que acrescentou ritmos do caribe e temas mais próximos da realidade sul-americana.
A mistura do Ska com a Cumbia e o com o Calipso foi uma bem sucedida experiência dos “Desorden Público”
Completaram a apresentação musical os norte-americanos Victor Rice e Chris Murray, além dos nacionais “Móveis Coloniais de Acaju”, “Fireburg”, “Trenchtown Rockers”, “Kongo” (não era a velha banda carioca de Ska, que durou pouco) e “Los Djangos”.

Bob Marley
O pai do reggae escutava o mento, na adolescência. As bandas populares de mento utilizavam instrumentos de taquara e bambu. Até saxofones podiam ser fabricados com estes materiais.
Nossa pesquisa descobriu 6 discos “single”, de 7 polegadas, com uma música em cada face (A e B), gravados por Bob Marley no ritmo Ska Beat:
1
A-“Simmer” (ska beat).
Intérpretes: 1. Bob Marley. JB 186. Produzido por C.S.Dodd. 1965.
B - “Need your love” (ska beat)
Intérpretes: 1. Bob Marley. JB 186. Produzido por C.S.Dodd. 1965.

2
A- “Lonesome Feelings” (saka beat), Livingstone e Marley.
Intérpretes: 1. Bob Marley. JB 211. Produzido por C.S.Dodd. 1965. Gravado no Studio 1 - Kingstown - Jamaica.
B - “She goes” (ska beat), Marley.
Intérpretes: 1. Bob Marley. JB 211. Produzido por C.S.Dodd. 1965. Gravado no Studio 1 - Kingstown - Jamaica.

3
A- “Train to Ska-Ville” (ska beat), Dodd.
Intérpretes: 1. Bob Marley. JB 226. Produzido por C.S.Dodd. 1965. Gravado no Studio 1 - Kingstown - Jamaica.
B - “I made a mistake” (ska beat), Mayfield.
Intérpretes: 1. Bob Marley. JB 226. Produzido por C.S.Dodd. 1965. Gravado no Studio 1 - Kingstown - Jamaica.

4-
A- “Love & Affection” (ska beat), Livingstone e Marley.
Intérpretes: 1. Bob Marley. JB 228. Produzido por C.S.Dodd. 1965. Gravado no Studio 1 - Kingstown - Jamaica.
B - “Teenager in Love” (ska beat), Pomus e Shuman.
Intérpretes: 1. Bob Marley. JB 228. Produzido por C.S.Dodd. 1965. Gravado no Studio 1 - Kingstown - Jamaica.

5
A - “Independent Anniversary Ska - I should have known Better” (ska), Lennon e MacCartney.
Intérpretes: 1. Bob Marley. Island WI 260. Produzido por C.S.Dodd. 1966. Gravado no Studio 1 - Kingstown - Jamaica.
B - “Jumbie jamboree” (ska), provavelmente Tosh.
Intérpretes: 1. Bob Marley. Island WI 260. Produzido por C.S.Dodd. 1966. Gravado no Studio 1 - Kingstown - Jamaica.

6
A - “Lonesome track” (ska beat), Marley.
Intérpretes: 1. Bob Marley. JB 249. Produzido por C.S.Dodd. 1966. Gravado no Studio 1 - Kingstown - Jamaica.
B - “Zimmerman” (ska beat), tradicional com arranjo de Livingstone.
Intérpretes: 1. Bob Marley. JB 249. Produzido por C.S.Dodd. 1966. Gravado no Studio 1 - Kingstown - Jamaica.



NOTA: O texto corresponde a capitulo do livro “Caçador das Sonoridades Perdidas, de Coutinho, Larry. 2011.

Larry Coutinho

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Summertime, a quimica da desconstrução construtiva - Crônicas da Cidade Plural.




Novo olhar sobre velhos temas


Summertime, a quimica da desconstrução construtiva

Tenho certeza absoluta que George Gershwin ficaria satisfeitíssimo ao ouvir a soprano Teresa Merritte abrir a apresentação da ópera Porgy and Bess, versão concerto, com a ária Summertime, mostrada em todo o seu esplendor erudito, ao cantar a “lullaby” para o filho pequeno.
A ópera, única tentada por George Gershwin, tem o libreto escrito por Ira Gershwin e Dubose Heyward.
Ou Dubose Heyward e Ira Gershwin.
Ou Dubose Heyward, sem Ira Gershwin.

Para quem não está ligando o nome à pessoa, aqui vai uma amostra da letra da ária:
Summertime, (ária-spiritual), George Gershwin, Dubose Heyward e Ira Gershwin

“Sommertime an’the livin’is easy
Fish are jumping, an’the cotton is high
Oh yo’daddy’s rich, an’ yo’ ma is good lookin,
so hush, little baby, don’yo’ cry.
One of these mornin’s you goin’ to riseceps singin’,
then you’ll spread yo’ wings an’ you’ll take to the sky.
But till that mornin’ there’s a nothin’ can harm you,
with Daddy an’ Mammy standin’ by”

Intérpretes: Inúmeros. Ouvimos a versão lírica cantada pela soprano Teresa Merritte, que no disco em questão interpreta Clara e a Strawberry Woman (Mulher Morango).

As apócopes, elisões e simplificações das palavras fazem parte do libreto e da intenção original do autor, e remetem ao folclore e ao spiritual.
Os irmãos Gershwin basearam a ópera em “Porgy”, a peça teatral de Dubose Heyward.
A ação se desenrola em Cartfish Row, na Carolina do Sul.
George Gershwin pretendeu criar obra de inspiração folclórica.
Para isso empregou ritmos e inflexões da música e do dialeto tradicionais da região.
Na ópera não falta sequer o vendedor de felicidade, Sporting Life, sempre oferecendo um certo pó...
Um certo pó... vamos deixá-lo para mais tarde.
George Gershwin tentou fazer uma ópera americana do sudeste e a fez moldada em jazz e no estilo africano-americano.
Sem dúvida a ária Summertime, cantada pela personagem Clara logo no início da ópera é uma das mais lindas entre as compostas em todos os tempos.
Dona de um sortilégio mágico, que a fez gravada por milhares de cantores, em trinta mil versões diferentes.
Fora da ópera (1935) , Billie Holiday a gravou em 1936, iniciando a longa série.
Louis Armstrong e Ella Fitzgerald criaram maravilhoso dueto entre o trumpete e a voz. O trumpete claro, impositivo e cheio de modulações de Louis Armstrong, e a voz simpatica de Ella Fitzgerald.
Gene Vicent, Miles Davis, Sam Cooke, Cody Simpson e milhares de outros intérpretes e de músicos tentaram as suas versões de Summertime.
E, à medida que criaram novas formas de apresentar a canção ajudaram a desconstruir a obra original de Gershwin.
Finalmente Janis Joplin e os Big Brother & the Holding Company, no álbum Cheap Thrills (1969), com vocal de Janis Joplin e arranjo de S.Andrew, literalmente estraçalharam a versão inicial de Gershwin.
A simples palavra Sumertime, quando gritada por Janis Joplin aparece rasgada, amassada, destruída, e dá aos ouvintes a nítida sensação que não são apenas pedaços que se soltam da palavra, mas são vestígios da própria cantora desmembrada em postas, bocados estraçalhados da sua angustia, perplexidade e dor. (eis que parece retornar o pó da felicidade oferecido pelo personagem Sporting Life).
Para mim, três artistas representam compromisso pessoal com as drogas e elas estão indelevelmente gravadas em suas carreiras e nas suas obras.
Por questão da realidade ou da lenda.
São eles Chet Backer, o colossal trumpetista, Bob Marley, o maior sucesso do regae, e finalmente Janis Joplin.
Há algum tempo eu escrevi sobre o “ay” do sul da Espanha quando aplicado ao flamengo.
Quem me alertou sobre o “ay” foi a pesquisadora Alicia Medeiros (el Flamengo, editorial Acento, Madrid)
Eis, em tradução pobre e apressada, o que Alicia revela:
“Esse “ai!”, palavra espantada, desgarrada e rebelde que ainda não encontrou o grafismo exato, é na realidade a dimensão maiúscula do flamengo, donde brota a grandeza trágica de um povo que representa assim os pináculos da raiva e da ira. É o homem esfarrapado, destruído, a mão que não encontra um ombro amigo”.
Pois bem.
Podemos aplicar inteiramente essas idéias à interpretação de Janis Joplin.
Ela consegue transformar o spiritual de Gershwin, que é também uma canção de ninar (lullaby), num grito, numa espécie de pedido de socorro.
E dá à ária toda a grandeza que faltava até mesmo na versão oficial de Gershwin.

Larry Coutinho

Salões de chá na provinciana São Paulo - Crônicas da Cidade Plural.

Nas décadas de cinqüenta e sessenta eu costumava freqüentar alguns salões de chá, na São Paulo ainda provinciana.

Casa Lu
Na rua Barão de Itapetininga.
Aparentada em suas finalidades a Maison Blanche de Curitiba
Vendia roupas para bebês e no mezanino havia salão de chá e um piano-armário equilibrado em palco diminuto.
Algumas vezes eu tocava sanfona, sempre à espera de um gordo cachê que nunca foi pago.
Ali nasceu o famoso samba-paulista “Quinhentos e seis” (famoso num universo de dez ou doze pessoas).
A musica de autoria do violinista (tínhamos violinista!), e a letra escandida pelo baterista dizia simplesmente: “Quinhentos e seis/ é o apartamento dela./ Você tem que me dizer/ quem é ela!” - e o breque “- Quinhentos e seis!”.
A letra, imaginada e criada pelo baterista referia-se ao endereço e à namorada do pianista, que ignorante do número da porta da própria amada, cantava alegremente o refrão, sem desconfiar de nada.
Tal era o entusiasmo do rapaz que jamais conseguimos concluir o samba de maneira decente.
Terminávamos sempre em gargalhadas incontroláveis.
Nossa platéia compunha-se de espantadas senhoras a comprar roupas infantis e fraldas, no pré e no pós-parto, tias e avós em busca de presentes úteis para os sobrinhos ou para os netos recém-nascidos.
Reconheço que tudo era um tanto surrealista.

Livraria Jaraguá
Já tratei do salão de chá nos fundos da livraria, onde nunca entrei, sempre à espera do convite que jamais aconteceu.

Mappin Stores
Praça Ramos de Azevedo, em frente ao Teatro Municipal de São Paulo.
Qual formidável camaleão que troca de cor à medida que caminha, o restaurante do quinto andar onde eram servidos almoços ao meio dia recebia violinos e mesas arrumadas para o chá da tarde.
E chegavam as senhoras.
Com os filhos, com as amigas, com as irmãs ou parentes e às vezes sozinhas.
Meninas de quinze anos com as amigas, todas uniformizadas.
Vindas da Escola Normal., na praça da República.

“Vestida de azul e branco
Trazendo um sorriso franco
No rostinho encantador...”

E alguns homens aparentemente solitários.
Havia sempre musa inspiradora em mesa próxima.
Troca de olhares, sinais de dedos, sorrisos envergonhados e pudicos...
Não concluam com precipitação, apenas sinais externos, não muito profundos, como era costume na época.
Estive ali aos onze ou doze anos deidade, acompanhando mamãe, depois das compras de Natal em 1947 ou 1948.
Mais interessado no fabuloso jogo metálico de montar (importado) do que propriamente no chá.
Nunca mais voltei.
O chá no Mappin!

Iara
Na rua Augusta.
Chá, torradas, queijos e doces. Uma fantástica torta de maçã e um apffelstrudel extraordinário.
Ainda escreverei um texto sobre as diferenças principais entre a torta e o enrolado de maçãs.
O Iara, lugar especial para namoros juvenis.
A parede era forrada por painéis de madeira.
Totalmente gravados a canivete pelos freqüentadores.
Tipo: João e Maria estiveram aqui. Nove de julho de 1953.
Centenas de nomes e de caligrafias diferentes, e alguns desenhos simples. Corações, flores, mãos ....
Meu próprio nome andou por lá, ligado ao de uma amável senhorita.
Voltei anos depois para apagar a referência, pois a senhorita era outra.
Então descobri que periodicamente os painéis eram removidos e trocados por novos.
Sábia manutenção!

Larry Coutinho

sábado, 3 de setembro de 2011

O mito da igualdade - Crônicas da cidade plural

Livro é objeto.
Coisa em constante interação com os seres humanos.
Os seres humanos acham que não são objetos.
Como todo ser humano, o livro vive vida secreta de vez em quando.
E também acha que não é objeto.
É isso que aproxima os humanos dos livros: as vidas secretas.
O homem calado e o livro fechado.
Quando procurei pela obra de Manoel de Barros o “Livro sobre o nada” e não encontrei sabia que ela estava escondida, a espera da hora certa de reaparecer.
E foi hoje!
Bem escondida debaixo do “O castelo de âmbar”, do Mino Carta, na certeza que poderia ficar por ali, sem ser incomodada por muitos e muitos anos. (Sempre releio “O Castelo de âmbar” de três em três anos e ele fica diferente).
Peguei o Manoel de Barros que resolveu reaparecer e corri para a página cinqüenta e sete.
Ainda estava lá a frase, ou o verso, como você preferir:

“Também as latrinas desprezadas que servem para ter grilos dentro - elas podem um dia milagrar violetas”.

Reencontrar esses versos do mesmo jeito que os deixei, quinze anos atrás, revigoraram o amor pela humanidade e a fé em mim.
Versos que participam do poema número onze da segunda parte do livro, intitulada “Desejar ser”.
Com direito a epigrama de autoria do Padre Antônio Vieira, um fragmento do sermão “Paixões humanas”:

“O maior apetite do homem é desejar ser. Se os olhos vêem com amor o que não é, tem ser”.

Pronto!
Posso parar aqui mesmo e dar tempo ao leitor para destrinchar o bom Padre Vieira.
Aproveito a pausa para tentar eu também.
Ou então propor novo enigma, tirado do verso número um do nosso bom Manoel de Barros:

“Com pedaços de mim eu monto um ser atônito”.

Só isso, um verso que é ao mesmo tempo uma estrofe.


Sei que livros nunca são iguais uns aos outros.
Alguns soltam letras que entram pela goela do leitor e são excretadas pelas fezes.
Outros emanam letras flutuantes e gasosas.
Estas sobem para a cabeça, ficam esvoaçando em redor do cérebro como pedaços de neblina tocados pelo vento das serranias, amontoam-se em nuvens escuras e chovem.
Inicia-se aqui, com clarins e estandartes, o primeiro argumento para testar o mito ou a esperteza da igualdade anunciada.

O segundo argumento fluirá, estou certo, de outros versos que parecem pertencer ao Manoel de Barros, mas não pertencem.
Dele é apenas o estilo.
Os versos são meus. Eis o primeiro:

“O cantar do sabiá laranjeira nas madrugadas não presta para o silêncio”.

Eis o segundo:

“O sono do homem-que-mora-na-casa-ao-lado não presta para o sabiá”.

E vai também um terceiro, desta vez do Manoel de Barros, para subir o nível poético que pretendo dar a este escrito:

“De noite o silêncio estica os lírios”.

Ao amanhecer o homem-que-mora-na-casa-ao-lado correu para ver os lírios.
Percebeu que eles não estavam esticados e chamou a polícia.
O amor ou o ódio que duas pessoas diferentes podem dedicar ao sabiá laranjeira demonstram cabalmente que nem todos os homens são iguais.
E termino aqui, aspergindo e entrelaçando letras e idéias neste concurso que pretende testar o mito da igualdade.
Oportunamente o assunto voltará a nós.
Enquanto ele não chega, leia o Manoel de Barros, poeta que descobriu o aroma verde das lagartixas e que ele mesmo queria crescer pra passarinho...
“Livro sobre o nada”. Manoel de Barros. Ed. Record.



Larry Coutinho

terça-feira, 23 de agosto de 2011

O sonho de todos nós: Xanadu - Crônicas da cidade plural.

Nunca sei se o grande escritor argentino Jorge Luís Borges fala sério quando faz um relato histórico ou simplesmente recria a verdade, com sua maneira travessa e fantástica de tratar a realidade.
Entretanto Samuel Taylor Coleridge tem consistência real. Foi literato e poeta inglês (1772-1834) e autor, por exemplo, de Baladas líricas e de Baladas do antigo marinheiro, os primeiros grandes poemas da era romântica. Mais tarde Coleridge escreveu o poema simbólico Kubla Khan.
Onde encontrei a primeira referência literária a Xanadu:

“In Xanadu did Kubla Khan
A stately pleasure dome decreei
Where Alph, the secred river, ran
Trough caverns measureless to man
Dow to a sunless sea (...)”

Xanadu (Shang-tu), em Coleridge, é uma região na qual o imperador chinês Kubla Khan (1215-1294) construiu o palácio sobre o qual havia sonhado anteriormente.
E o poema reveste-se de “fantasmagoria onírica, entremeando forma e sentido em hipnótica geografia de cintilantes epifanias”.
Segundo Borges, no verão de 1797, retirado no campo inglês numa tarde langorosa e crepuscular o poeta Coleridge cochilava. Ia embalado por uma forte dose de láudano (extrato de ópio que possui efeito sedativo), enquanto lia um relato no Purchar’s Pilgrimage que tratava da construção do célebre palácio.
Finalmente Coleridge adormeceu, e em sua semiconsciência a descrição lida transformou-se numa cornucópia de imagens iridescentes, refletindo todas as cores do arco íris.
Ao acordar Coleridge concebeu um poema de trezentos versos e começou a escrevê-lo em seguida.
Entretanto, depois de estruturar perto de cinqüenta versos, foi interrompido por um visitante. Quando retornou trabalho verificou que as idéias decorrentes do sonho - e do láudano - se haviam dissipado.
Restaram os cinqüentas estupefacientes versos que formam o poema.
Interessa-me o momento vivido por Coleridge que transformou o palácio de cal e pedra em transe espiritual, em essências imateriais, em música sublime, que foram os alicerces sobre os quais ele reergueu literariamente o fulgurante palácio de Kubla Khan.
A segunda menção a Xanadu veio para mim em tempos de menino. No Gibi mensal.
Mandrake, o mágico. Um herói das histórias em quadrinhos que combatia o mal utilizando apenas truques e sugestões hipnóticas.
Mandrake vivia em Xanadu - uma rica propriedade mágica que o herói ganhara de presente de um amigo milionário - em companhia de Lothar, um africano fortíssimo, Hojo, o cozinheiro chinês gorducho e faixa-preta de karatê e Darla, a namorada de Lothar.
A terceira vez em que me deparei com o nome Xanadu foi no filme de Orson Welles (1915-1985) chamado Cidadão Kane (1941).
Fabulosa residência de Kane, um magnata da industria editorial, Xanadu superava tudo o que a imaginação exacerbada poderia criar. Era a maior e mais cara construção destinada à moradia de um homem que vivia praticamente só.
Xanadu guardava as obras de arte da coleção eclética de Kane, e também milhares de objetos soberbos frutos maiúsculos da criatividade humana. A coleção de animais transformou o Xanadu proposto por Orson Welles no maior zoológico particular do mundo.
A imagem cinematográfica de Xanadu foi desenhada por Mario Larringa. Misturou épocas e estilos, o castelo do monte Saint-Michel, na França, com uma parte do campanário da catedral de San Marco, em Veneza e adicionou as arcadas do palácio Pitti em Florença, tudo temperado com toques góticos de origem inglesa e com interior medieval italiano.
Entretanto, os Xanadus, reais ou imaginários, não são exceção. Quantos imperadores, magnatas, guerreiros, ou presidentes já sonharam e foram tomados por transe espiritual que os levou a construir palácios de cal e pedra, imaginando-os como essências imateriais, porém cascas sólidas e inexpugnáveis capazes de armazenar e proteger não só imensas quantidades de bens materiais, mas também as ilusões metafóricas ou talvez resguardar a música das esferas... Ou outras alucinações de igual porte, incluindo sonhos e sensações.
Misteriosamente esses arroubos arquitetônicos não gozam de muita popularidade e colecionaram inúmeros inimigos.
Em Minas Gerais, São João do Nepomuceno, Edmar Moreira construiu o seu Xanadu. Um castelo magnífico.
Infelizmente para ele, Edmar Moreira era deputado e os politicos opositores ao saberem da existência do palácio cairam de pau sobre o lombo do risonho castelão.
Edmar Moreira deve ter sofrido o mesmo que os nobres cidadãos de Florença, então próspera e culta cidade da Itália.
Quinhentos e dezesseis anos antes de Edmar Moreira construir o seu castelo, um soturno padre Dominicano, a quem chamavam, em latim de Hieronymus, e em italiano de Girolamo, andava perturbando a vida dos nobres de Florença.
Com preocupação o papa Alexandre VI via as atividades daquele padre atacando a sociedade que julgava imoral através da destruição de objetos.
Florença era uma cidade onde a arte, a literatura e a poesia deslanchavam.
Então o padre Hieronymus (Dominicano), que passou à história sendo mais conhecido pelo sobrenome Savanarola (final do século quinze), inventou as crudelíssimas fogueiras da vaidade.
O encontro final dos objetos com o fogo!
Depois de vociferar contra a Renascença, Savanarola montou grupos de arruaceiros que invadiam casas e palácios, coletando livros e objetos considerados por ele como arte imoral.
Os bandidos batiam de casa em casa, arrecadando objetos propícios à lassidão moral: espelhos, imagens, pinturas, cosméticos, livros, jogos de gamão, jogos de xadrez, violinos e outros instrumentos musicais, vestidos luxuosos, chapéus femininos, obras de poetas, e tudo o mais para ser queimado nas colossais fogueiras, principalmente na Piazza Della Signoria.
Talvez até mesmo magníficas pinturas de Sandro Boticelli e Michelangelo Buonarroti.
Toda a rica presa era empilhada em uma determinada praça de Florença, e, ao formar monte apreciável, Savanarola acendia o fogo e a população assistia, perplexa, a terrível fogueira a queimar não só preciosidades literárias e artísticas, mas também o rico legado cultural da cidade.
Entre os objetos selecionados por Savanarola para serem destruídos estavam as caixas de maquilagem, usadas indiferentemente por homens e mulheres da cidade. E trajes, vestidos femininos e roupas masculinas.
Finalmente o fogaréu era legitimado pelo populacho, que entoava em transe e em uníssono as canções da fogueira.
E dali em diante as suntuosas Xanadus florentinas jaziam mortas como cascas vazias e silenciosas.
Talvez porque existia - e ainda existe - a idéia de que residências suntuosas e incomuns deviam ser necessariamente resultado de roubo ou de furto.
Algumas certamente serão, porém confesso que, mesmo não dispondo de recursos para o cometimento, sonho com uma casa onde férias permanentes com a minha família sejam sempre encantadas.
Matas, picadas para passeios, lagos cristalinos, cachoeiras... piscinas, churrasqueiras, fornos para pizza, campo oficial de futebol, quadra de tênis ... Biblioteca, discoteca ... Cinema privado e enormes coleções de filmes à disposição...Um salão especial para exibição de pinacoteca completa, toda em arte naif ... Bilhar, ping-pong, bicicletas, cavalos mansos e marchadores...
Em outras palavras, eu desejo ser o senhor de um Xanadu particular. Como já informou sensatamente o compositor popular:

“Eu quero uma casa no campo
Onde possa compor muitos rocks rurais (...)”

Acho que não sou o único.
Os exemplos estão por toda parte.
No cinema, a mansão a beira mar do grande Gatsby, com suas festas de arromba, belas reuniões sociais, bailes inesquecíveis.
Na Europa, quatrocentos e cinqüenta fabulosos castelos podem ser alugados. Na Inglaterra, Escócia, Irlanda, Alemanha, França, Itália...
Aqui mesmo, sem sair da cidade de São Paulo, noivos e noivas podem ter seus momentos de senhores de castelos: no Palacio dos Cedros, na Casa de Cultura Julieta de Serpa, no complexo da antiga estação ferroviária Julio Prestes, na Casa das Retortas...
O castelo de Simões Lopes, da Ilha Fiscal, de Itaipava, o castelo do Batel, o castelo do Bivar... Colocam o Rio Grande do Sul, o Rio de Janeiro, o Paraná, o Rio grande do Norte no mapa dos locais onde existem castelos suntuosos.
Entretanto nenhum deles absorveu o espírito de Xanadu como fez o castelo do Zé dos Montes, que fica no Rio Grande do Norte, quase no topo da serra Tapuia.
É o castelo cuja fotografia ilustra este escrito.
Imensa construção erguida entre enormes rochas, parece ter sido concebido e edificado na exata mistura entre arquitetura e alucinação.
A profusão de torres aparentemente inúteis sob o aspecto funcional justifica o destempero necessário para que alguém lance todos os seus dados numa única e louca jogada.
E nem sempre é necessário possuir grande fortuna.
Certos monges budistas do Nepal conseguem construir palácios imaginários riquíssimos em detalhes e conforto.
E quando colocam o produto da mente no mundo em que vivemos, dizem conseguir castelos reais, que todos podem habitar sem suspeitar de que se tratam de tiulpas, isto é, objetos imateriais criados pela mente e projetados no cotidiano das pessoas.
Enquanto arqueólogos procuram o significado histórico, arqueológico, econômico ou funcional das pirâmides, dos Stoneages da vida, dos castelos de Tintagel ou coisa que o valha, estou certo de que a explicação está clara na experiência literária de Coleridge: o que motiva a construção de tais monumentos votivos nada mais é do que a ambição e o sonho alucinante que brota do fundo da alma de certos malucos geniais. Algumas vezes temperados por dose maciça de láudano.
Entretanto castelos podem ser bem mais modestos.
Muitas pessoas habitam apenas quatro paredes e telhado sem forro. Ou ambientes de convivência difícil e hostil. Vocês entendem o que estou dizendo.
Então nada mais compensador para a alma do que combater o marasmo das insípidas tardes de domingo programando e executando viagens encantadas aos shoppings center’s, os modernos Xanadus dos pobres.
Larry Coutinho

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Mãos ao alto! - Crônicas da cidade plural.

Assistindo sozinho o mais recente jogo de futebol entre o Santos e o Flamengo e apesar de não ser torcedor de nenhum dos dois times saltei subitamente da poltrona diante de um lance feliz do Neymar e lancei repetidas vezes os dois braços para o alto, em seguida ao fantástico gol.
O que leva um senhor aparentemente sério com mais de setenta anos de idade a praticar tais passos desconexos e a lançar os braços para cima, feliz como um pinto no lixo?
Até mesmo desmunhecando um pouquinho?
Braços para o alto? Mãos para cima?
-Mãos ao alto!
O bandido levantava os braços em direção ao céu, e pronto, estava dominado, como nos filmes americanos.
Estranho gesto este de levantar os braços!
No código cinematográfico do faroeste significava submissão do mal encurralado pelo bem.
Quem levantava as mãos era quase sempre o bandido, rendido ao império da lei.
Assim era nos filmes do Tom Mix, caubói que surgiu no cinema na década de mil novecentos e dez e começou a ser publicado nos quadrinhos entre 1945 e 1947, numa revista chamada Guri Mensal.
Quando a revista apareceu em sua fase semanal, entre 1954 e 1958, Tom Mix estava novamente entre os favoritos.
Os editores das revistas em quadrinhos exploravam quase todos os heróis tornados famosos pelo cinema: Roy Rogers, Tex Ritter, Rock Lane, Gabby Hayes, Hopalong Cassidy, Durango Kid, Lone Ranger, Cisco Kid, e centenas de outros.
A década de cinqüenta foi fértil em histórias de caubóis. .
Eu acompanhava as aventuras pelas revistas de quadrinhos e às vezes ia apreciar meus heróis em ação nas telas dos cinemas.
Em mil novecentos e trinta e oito, um talentoso ilustrador chamado Charles Flanders fixou-se num personagem definitivo: The Lone Ranger. Apesar de solitário, este mascarado tinha como companheiro o índio Tonto além de seu cavalo Silver, de esperteza quase humana.
Os personagens dominaram as telas e as revistas norte-americanas por longo tempo.
O Zorro deu continuidade à fórmula do cavaleiro mascarado que era promotor da justiça e do amparo aos desvalidos, e já em filmes produzidos por Walt Disney foi ambientada na Califórnia, na época que aquele estado pertencia ainda aos mexicanos.
Don Diego era um nobre que se disfarçava com máscara para combater a tirania dos espanhóis colonizadores, em defesa do México e do povo mexicano.
O índio Tonto desapareceu, e surgiu como símbolo da opressão européia a força relativa do rotundo sargento Garcia.
As histórias do Zorro foram plagiadas: na Argentina o herói apareceu como Poncho Negro, e no Brasil como O Vingador.
Criação original de Johnston Mc Culley, os direitos sobre o caubói foram adquiridos por Walt Disney.
O leitor astuto deve ter percebido: tudo o que estou escrevendo reflete minha inquietação diante da expressão: mãos ao alto!
Hands up! era certamente frase conclusiva.
Emitida a ordem pelo agente do bem ao salteador, ao bandido, ao ladrão de gado ou ao que mais houvesse representando o mal nada mais restava.
Estava descoberto, frito, imobilizado e preso.
Todo o mal acabava com a ordem enérgica:
-Mãos ao alto!
A história não registra nenhum gesto de reação posterior.
Logo após o mocinho beijava a mocinha, às vezes não beijava, e aparecia na tela a expressão The End.
Inútil busca iconográfica foi realizada, na esperança de capturar os primórdios do gesto famoso.
Na Bíblia Sagrada, Moisés levantou os braços para os céus ao receber as tábuas da lei, mas permaneceu a dúvida: tratar-se-ia de gesto de submissão ou movimento natural de quem levanta os braços para segurar algo provindo do alto?
Nos campeonatos mundiais de futebol, a televisão mostra centenas de milhares de pessoas, de todas as raças, elevando os dois braços ao grito entusiasmado da palavra Gol! .
É ali um gesto de alívio e também de comemoração.
A lembrança dos estádios repletos e entusiasmados levou-me ao passado, quando os franceses gritavam “Allez!”, buscando incentivar os seus jogadores, os ingleses proferiam “Go...go...go...” com a mesma finalidade, e nós brasileiros, coerentes com o comportamento surpreendente das torcidas, criamos o neologismo “Aleguá!”, que misturava o “Allez” francês com “Go” inglês e com um “Á” que eu não sei de onde veio.
Aleguá, às vezes reforçado: Aleguá, guá, guá!
E penso também na “Ola”, uma onda de braços que se levantam e abaixam coordenadamente, lembrando o movimento do mar.
Levantar os braços parece igualmente aumentar a altura das pessoas, que explodem de satisfação.
Que belas hipérboles: explodir de alegria, estourar de satisfação, e assim por diante.
É como se fora uma constelação estrangulada, subitamente libertada pelo gol, espalhando estrelas pelo espaço infinito!
É quase um orgasmo!
Pois não é o gol marcado um coroamento feliz da cantada na mulher do vizinho? Com penetração e tudo!?
E um gol tomado?
Deixa amarga impressão de marido enganado!
Salve o hexa!
Em matéria de hipérboles e de metáforas eu hoje estou impossível!
Falando em mulher do vizinho, lembro que nos velhos tempos dos carnavais de salão os carnavalescos solitários costumavam erguer os dois braços enquanto sambavam ou saltitavam marchinhas no democrático terreno dos esfregões corporais.
As mulheres, mais modestas no gesto, mesmo assim ao elevarem os braços levavam com eles todo a musculação peitoral, erguendo seios em apronto agressivo e sensual.
Posso lembrar o olhar direto daquela morena fabulosa, explícita a ponto de provocar imediata ereção, desmanchando-se em dengos, elevando vagarosamente os dois braços lânguidos, sugerindo tudo sem dizer nada.
Ou antes, murmurando maliciosamente a marchinha:
-Menina vai, com jeito vai...
E o caubói, arma em riste, dominando o bandido cruel:
-Mãos ao alto!
É muito sensual isto tudo!
As mulheres diziam que gostavam de pular o carnaval! - enquanto os homens não diziam nada e entravam na folia sempre com desejos secretos de bolinação.
Anos depois, os foliões resolveram abaixar os braços e surgiu a dissimulada “mão boba”, desaparecendo muito do encanto carnavalesco.
Os portugueses e portuguesas de Nazaré, no litoral da terrinha, e de outras regiões de Portugal, ao dançarem o malhão ou o vira, igualmente elevam os braços, gesto repetido pelos ciganos da espanhola Sevilha, ao desfilarem alegrias e bulerias, no tradicional flamengo, movimento que estava sempre a proclamar:
-Castanholas ao alto!
Os homens e as mulheres da Andaluzia sabem despertar a sensualidade de platéias inteiras, naqueles passos, sapateados e sarandeios aparentemente inofensivos.
Haja coração!
Entretanto, ainda em Portugal, no Ribatejo, ao desprezar a ajuda harmoniosa dos braços, o dançarino do fandango enfia os polegares nas cavas do colete, enquanto baila sozinho, numa espécie de masturbação coreográfica, se é que assim posso dizer...
Elevar os braços, portanto, prestam-se mais a ocorrências coletivas.
As orientais protagonistas da dança-do-ventre não só elevam os braços como também centram o foco principal da coreografia nos movimentos serpenteantes das mãos, embora os olhares dos circunstantes masculinos geralmente escorreguem ao longo dos lindos corpos ondulantes, fixando-se no baixo-ventre, coxas e pernas.
A dançarina continua a tentar enfeitiçar com as mãos, os braços alçados, como se não possuísse corpo nenhum do umbigo para baixo.
E todos sabemos que Super-homem levanta os braços para se lançar em vôo.
Entretanto, para mim, elevar os dois braços sempre significou a submissão do bandido à ordem do xerife:
-Mãos ao alto!
Então porque a estranha cena de um velho senhor sozinho em casa a saltar e a gritar, lançando os braços para o alto, girando como um pião sem considerar o ridículo de tudo aquilo?
Um são-paulino festejando gol do Santos?

Larry Coutinho

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

O estranho sortilégio da dama em vermelho e branco - Crônicas da cidade plural.

Embora a maioria das mulheres já tenha superado a fase da provocação amorosa ativa para receber de troco e passivamente a conquista, dominação, escravidão mental e morte, periodicamente renasce a dama de vermelho, redescoberta pela literatura, pelo cinema, pelo teatro, pelos compositores, cantores e também pela população em geral.
Porém, o que significa a dama em vermelho?
“I’ve never seen you looking so lovely as you did tonight (...)”
Assim começa a canção “The lady in red” de Chris De Burg, gravada em 1986.
Nada de novo, pois dois anos antes Stevie Wonder havia abiscoitado o Oscar da canção com “I just called to say I love you” (“Eu só telefonei para dizer que te amo”).
Telefonado para quem? Exatamente para a dama de vermelho. Na comédia cinematográfica “The woman in red”, de Gene Wilder, onde Stevie Wonder dividiu a responsabilidade da apresentar a trilha sonora com a cantora Dionne Warwick.
Algumas vezes juntos, outras vezes separados.
Na canção com o título do filme, Stevie Wonder traçou o efeito fantástico que pode causar a mulher em vermelho (vou traduzir dois versos, para maior conforto do leitor):
“A mulher em vermelho/ como um vinho fino ela sobe para minha cabeça (...)”.
Como já sabemos dois anos depois Chris de Burg também observou o efeito provocado na mente dos homens pela dama em vermelho:
“Eu nunca tinha visto você tão bela quanto nesta noite/Eu nunca te vi brilhar tanto/ Eu nunca tinha visto tantos homens te convidando para dançar/ Eles estão procurando um pouco de romance/Dê a eles uma chance(...)”
Ainda assim, nada de novo, pois descobri um filme de 1935 (desenho animado) chamado “The Lady in red”, contendo canção com o mesmo nome, de Allie Wrubel com letra de Mort Dixon. E ainda um filme de Lewis Teague, de 1979.
E uma canção gravada por Xavier Cugat “The lady in red”.
Numa rápida olhada em minha discoteca encontrei álbuns contendo versão nacional da “Dama em Vermelho”, cantada por Bruno e Marrone, Milionário e José Rico, Waldick Soriano, Duduca e Djavan. Gravações onde o sertanejo e o brega se encontram abrigados pelo sortilégio da mulher em vestido vermelho.
Estranha obsessão, e ainda nada de novo.
Porém desta vez o salto territorial e temporal será gigantesco.
Vamos para a Península Ibérica e para a Provence, lá por volta do século doze.
Pincei alguns versos de Guillaume de Machault e, surpreendentemente, lá estava ela: a mulher vermelha e branca.
A poesia provençal (francesa) serviu igualmente às artes peninsulares de Espanha e Portugal e nela uma idéia que estrutura e compõe a mais antiga canção portuguesa conhecida pertenceu durante séculos ao vocabulário do amor, ligado à mulher e à natureza.
O original provençal, o rondeau composto por Guillaume de Machault para sua amada, dizia:

“Blanche con Lys, plus que rose vermeille”.

Aplicada por Paio Soares de Taveiro (1189) a mesma relação do branco-vermelho faz parte da mais antiga canção portuguesa conhecida, que iniciou em Portugal uma série de temas consagrados à mulher branco-vermelha.
Nela, o poeta dirigiu-se à amante do rei D. Sancho I:

“Mia senhor branca e vermelha”...

Paio Soares de Taveirós não economizou tons brancos e vermelhos.
Reproduzimos a segunda estrofe pois há um encadeamento entre dois versos, ocorrido entre o terceiro e o quarto da primeira estrofe e e o quinto e sexto da segunda estrofe.
Ambos os encadeamentos referem-se à vestimenta.
No primeiro caso, à saia, e no segundo, à guarvaia, vestuário da corte, de luxo, provavelmente escarlate, ou vermelho.

Cantiga de amor

“No mundo non me sei parelha,
mentre me for como me vai,
ca já moiro por vós - e ai!
mia senhor branca e vermelha
queredes que vos retraia
Quando vos eu vi en saia!
Mau dia me levantei,
que vos enton non vi fea!

E, mia senhor, dês aquel dia, ài!,
me foi a mi mui mal,
e vós filha de don Paai
Moniz, e ben vos semelha
d’haver que por vós guarvaia,
pois eu, mia senhor, d’alfaia
nunca de vós houve nen hei
valia d’ua correa.”

( Cancioneiro da Ajuda. Vol. I, p. 82, cantiga 38)

Ver em saia, com uma nesga do tornozelo à mostra!
Enlouquecedora visão cujos efeitos criaram, provavelmente, o cuplê, canção acanalhada que vicejou na Espanha e em outras partes da Europa.
Quem desejar saber mais sobre o cuplê pode encontrar vasta ilustração no filme “O último tango”, onde a excepcional cantora Sarita Montiel ajuda a contar a história de uma cantora cupletista.
Apresentava-se em vestido longo, fendido do lado esquerdo do tornozelo ao alto da coxa. Movimentando-se economicamente no palco, cada mínimo deslocamento da cupletista provocava incrível reação da platéia
Plateia enfrentada por auxiliares ocultos pelas cortinas, os quais manejavam longas e pesadas varas a surrar os braços mais afoitos daqueles que invadiam o palco.
Porém retornemos ao século doze.
Eis que Paio de Taveiros utilizou as expressões “branca e vermelha” para significar, provavelmente, pele alva e faces rosadas.
Entretanto também cabem outros sentidos àquelas palavras.
O verso (branca e vermelha) pertenceu, então, à poesia da corte e por ali permaneceu até que, quase esgotada a fórmula, passou a se usar com mais freqüência na poesia popular, onde conseguiu longa sobre vida.
Gil Vicente serviu-se da frase numa canção:

“Donde vindes, filha branca e colorida?”

A mulher branco-vermelha entrou na maior parte das línguas que faziam poesia.
A formula podia variar, entretanto havia também a idéia principal, de comparação da mulher amada (branca) com a rosa (vermelha), o com as maçãs (também vermelhas), competições estas que ninguém vencia, pois todas, maçãs, rosas e mulheres eram belas e incomparáveis, e essa relação permaneceu.
Assim, entre os gregos, Anacreonte chamou a uma bela rapariga “calçada de muitas cores” e Alceu chama ao pato “que tem pescoço de muitas cores”.
E Safo comparou a sua amada com “Aurora com dedos cor de rosa” ou diz “Luas com dedos cor de rosa”.
Para os gregos, o símbolo do amor não eram as rosas vermelhas: era a maçã - ou ainda o marmelo.
Safo comparou a rapariga solteira à maçã colocada no topo da macieira e que se esqueceram de colher.
Estesícoro nos contou como apareceram maçãs na festa de núpcias de Helena e Menelau; Ibico imaginou um pomar ideal da virgindade onde cresciam e floresciam os marmeleiros; Platão escreveu dois epigramas em que a maçã é o símbolo da efêmera virgindade.
Efêmera virgindade, pois ela deve ser necessariamente provisória...
Sendo a virgindade, a mulher e o amor supremas delícias da vida, quando comparadas às rosas, ao marmelo e às maçãs, como que transferiam aos frutos e à natureza a mesma idéia de excelência. E vice-versa.
Os modernos botânicos, por razões puramente técnicas ( a semelhança entre as flores), colocaram as rosas, as maçãs, as cerejas, as pêras, as ameixas e as amoras como pertencentes à mesma família das rosáceas.
Frutas e flores vermelhas, naturalmente com a exceção das cerejas negras, que quando vermelhas estão verdes!
É bem verdade que as rosas vermelhas também passaram a simbolizar o segredo, além da paixão..
Entalhes nas madeiras dos confessionários cristãos reproduzem lindas rosas, significando que o segredo confessional estará bem guardado.
As prostitutas de Bruxelas mantinham, nas mesas de cabeceiras, botões de rosa vermelha, indicando aos clientes que todos os segredos da relação estariam igualmente em boas mãos.
E existiam também as maçãs de ouro.
Poetas ingleses revelaram a crença de que a maçã de ouro oferecida a Juno por ocasião do seu matrimonio, era uma laranja e, dai, começou-se a associá-la ao casamento dentre as nações civilizadas.
As laranjas foram introduzidas na China pelos portugueses, em 1547, e de lá para cá, as frutas são distribuídas entre os convidados de um casamento como símbolo da felicidade.
Eis novamente a relação entre sexo e natureza: a primeira noite da noiva abençoada pelas laranjas.
E o costume, levado à Europa pelos cruzados, de enfeitar a noiva com flores de laranjeiras.
E, em algumas grinaldas que a noiva trazia, havia as palavras: “Sê fecunda como a laranjeira”.
Socialmente, a virgindade perdida entre as flores de laranjeiras difere profundamente e carregam outros significados, opostos às virgindades roubadas sobre os verdes pinhos das canções medievais ibéricas.
Entretanto o culto às maçãs não foi privilégio grego.
O português Gil Vicente colocou num dos seus versos o canto de uma jovem dirigido ao amado que conta como ele lhe manda maçãs de ouro:

“Um amigo que eu havia
mançanas d’ouro m’envia. Garrido amor!”

A segunda estrofe repete a primeira, porém a terceira traz algo de novo:

“Mançanas d’ouro m’envia:
a milhor era partida.
Garrido amor!”

A melhor das maçãs estava partida!
Indicava que a resistência da amada tinha sido vencida.
Lembrando Platão, para quem a maçã é o símbolo efêmero da virgindade, então os versos de Gil Vicente passaram a dizer mais do que apareceu à primeira vista: “a milhor era partida.”
Assim sendo, não só o amor imaginado, mas também o amor físico ligou-se à natureza, indissoluvelmente.
A canção medieval portuguesa não teve escrúpulos em falar da perda da virgindade de uma mulher.
Simbolizou-a pela perda de um anel.
Se a perda estiver ligada à floresta, ou ao pinheiral, tanto melhor. A bondade e a poesia que emanam dos bosques suavizam o momento único.
O poeta Pero Gonçalves de Portocarreiro escreveu uma canção sobre o assunto:

“O anel do meu amigo
Perdi-o so-lo verde piõ,
E chor’eu bela”

E na terceira estrofe a mulher lamentou a perda:

“Perdi-o so-lo verde piõ,
Por en chor’eu dona virgo,
E chor’eu bela”.

Encontramos no Brasil, em pleno século vinte e um, certa trova popular que assim começava:

“Perdi meu anel de prata...”

Eu utilizei o verso popular como inspiração para uma trova que apresentei em certa ocasião. A estrofe resultante foi bastante festejada. Não sei se tomada pelo seu sentido mais culto e avoengo:

“Perdi omeu anel de prata
Sobre a relva do jardim.
Agora o amor me mata
Ou matam o amor por mim”.

A perda da virgindade não era assunto apenas das solteiras. Referia-se do mesmo modo às casadas.
No Portugal medieval muita lamentação foi escritas sobre a despedida da moça da sua virgindade.
E também na Grécia.
Safo escreve uma canção para duas vozes.
A feminina, da noiva, e a de um cantor que faz o papel da virgindade:

“A noiva: Ó virgindade, ó virgindade, para onde fugiste e me deixaste?”
“A virgindade: Nunca mais voltarei. Nunca mais voltarei a estar contigo”.

Assim sendo, é natural que muitos católicos que convivem conosco em nosso tempo, atribuam a expulsão de Adão e Eva do Paraiso, pelo irado Senhor, ao consumo do pomo de ouro, fruto da árvore proibida, por simplificação e simbolismo, a maçã. Eis ai, novamente, a mulher branco-vermelha já num outro contexto.
Este contraponto entre natureza versus libertação sexual remete e reforça a relação medieval da mulher branco-vermelha, mulher e rosa, fêmea e natureza.
Relação aparentemente complementar mas que pode, como veremos, significar visão dual do universo, dividido não só mas também pelos indígenas brasileiros em duas metades, cada uma delas congregando forças opostas.
Entretanto pode uma cor despertar sentimentos por ela mesma?
Ocorre-me o exemplo da bandeira do Japão: o círculo vermelho sobre campo branco.
O círculo traçado sobre o branco nada mais é do que uma forma denotadora dela mesmo. Entretanto, pintado de vermelho, conotava durante a segunda guerra mundial sentimentos conflitantes embora complementares, provocados pelo círculo vermelho em campo branco. Nos japoneses a idéia de orgulho nacional. Porém, para os norte-americanos que perderam seus filhos em capo de batalha, conotava provavelmente ódio profundo
Vejamos outro aspecto da cor: uma pequenina mancha vermelha sobre o branco lençol.
Dos poetas modernos, lembramos Bertold Brecht, no “Salmo na Primavera”:

“Agora estou à espreita do Verão, rapazes.
Compramos rum e colocamos cordas novas no violão.
Camisas brancas ainda precisam ser arranjadas.
Nossos membros crescem como a grama em junho
E em meados de agosto desaparecem as virgens.
Nessa época o prazer aumenta desmedidamente.
A cada dia o céu se enche de um brilho suave, e suas noites roubam o sono”.

Antes de conhecer o poema de Brecht, compus, no final do último verão, uma versão tropical do “Salmo”, um dístico ao qual dei o nome de “Primeiro Canto de Verão”:

“Por onde andarão, em fevereiro,
Todas aquelas virgens de janeiro?”


A mulher vermelha não é apenas rosas e maçãs e sua virtude não se resume à defesa imposta pela virgindade.
Há nos conceitos branco e vermelho, a idéia da acessibilidade opondo-se à da impossibilidade amorosa, pois em certos períodos do mês a mulher branca torna-se, literalmente, vermelha, e segundo alguns, impedida para o amor físico.
Acessibilidade ou antinomia?
Ainda aqui, nada de novo.
Distantes da elevação natural da cultura européia, e não contaminados ainda pelas idéias daquele continente, indígenas sul-americanos, especialmente os brasileiros, revelaram aos estudiosos a posição histórico-cultural da organização dual de suas sociedades, cujos aspectos ideológicos das dicotomias e os pares antagônicos se apresentavam em traços firmes.
O sol e a lua, o dia e a noite, as cores vermelhas e pretas (corantes naturais retirados das plantas chamadas urucum e jenipapo).
Algumas tribos relacionavam o sol com o leste e a lua com o oeste, outras, o sol e a lua se ligavam com o sul e o norte e, a partir dai, contrastava aqueles pontos cardeais, o norte literalmente contra o sul.
Surgiram então os conflitos tipo seco-molhado ou o branco-vermelho dos Mundurukú.
Talvez a mesma relação branco-vermelha dos trovadores medievais, um macrocosmo presente não só nas relações homem-mulher - opostas e complementares.
Trata-se, na verdade, de antinomias, contradições entre princípios e leis no que diz respeito à imagem do mundo, que levavam naturalmente às organizações duais de certas sociedades.
A polaridade “masculino-feminino” surgiu no testemunho de Garcilaso de La Vega, ao tratar de Cusco, capital do império inca, quando afirmou que as divisões da cidade em duas metades - Hanan e Hurinsaya, servia para delimitar duas unidades exógamas.
Era uma cidade alta, com um rei, e uma cidade baixa, com uma rainha, cada qual com o seu séqüito.
Os próprios conceitos de alto e baixo se afastavam e se inter penetravam, numa espécie de jogo primitivo, um dualismo filosófico, bem exemplificado pelos conceitos de céu-inferno, bem-mal, bom-mau, ou branco-vermelho.
Entretanto as dualidades vão além de conceitos tão simples quanto os citados.
Certa aldeia de índios aimaras era dividida em duas metades, exógamas, chamadas de Aran-saya (norte) e Wanan-saya (sul).
Tratava-se de algo muito diferente das separações geográficas.
Eram oposições tanto quanto bem-e-mal.
Cada parte da aldeia possuía sua própria cultura, adorava deuses diversos e congregava populações de origens dispares.
Assim sendo é difícil admitir-se que as preferências modernas por certos times de futebol estejam em razão direta da habilidade de seus jogadores.
A dualidade Palmeiras-Corintians vai além, como cada um de nós poderá compreender se refletir com mais vagar sobre o assunto.
As recentes eleições presidenciais no Brasil mostraram a profundidade da separação entre as duas metades do país, no caso e ironicamente, branco-vermelho.
A idéia de que todos os casamentos eram endógamos quando os indivíduos se casavam sempre dentro de sua classe ou casta em uma mesma aldeia costuma empalidecer diante de certos conceitos bem claros nas organizações duais das tribos de caçadores-lavradores.
O homem é sempre o caçador e lavradora a mulher.
O casamento (exógamo, quando o individuo se casa com membros de outras aldeias, classes ou clãs) entre os dois costuma reforçar a idéia dualística do mundo.
Uma dualidade que os Mundurukú, mestres em dicotomias tipo sol-lua, direita-esquerda, sul-norte, e pakpekàne (vermelhos) - ririt’àne (branco) determinam não só as metades exógamas, mas também o dualismo das cores, presentes nos poemas medievais europeus, nos quais, a relação branco-vermelha passou num salto do vocabulário amoroso para o piedoso terreno religioso.
O mesmo Gil Vicente serviu-se das duas palavras para dirigir-se à Virgem Mãe:

“Branca estais e colorada,
Virgem sagrada!”

As frases tomaram forma mística e adquiriram nova importância, na relação agora religiosa com a natureza.
Elas encheram a poesia, porque toda ela é em louvor da Virgem, considerada roseira, cuja rosa, Cristo, dela brota.
A Rosa Mística.
Então, e só então, o poeta italiano ainda medieval, Jacopone de Todi, mostrou o seu toque de gênio quando relacionou inovadoramente as cores branca-vermelha em “La Crocifissione”, em que a Virgem chora o Filho e lhe diz:

“Figlio bianco e vermiglio
Figlio senza simiglio...”

As palavras bianco e vermiglio adquiriram aqui novo significado trágico, por se referirem ao corpo morto e branco e às chagas vermelhas de sangue.
Então, a dualidade branco-vermelha confundiu-se com as noções de ser-e-não ser, adquirindo significação universal e fixando as únicas dicotomias verdadeiras e definitivas: vida-e-morte!
Dualidade que obriga a diferentes tomadas de posição pessoal quando o indivíduo de determinada sociedade se vê diante de cada uma delas, separadamente.
Momentos em que a literatura e o mito assumem os seus verdadeiros destinos, e o logos (razão) retira-se prudentemente diante do mistério.
Será que consegui ligação literária entre o sortilégio da mulher vermelho-branca, o sexo, a natureza, o sagrado, e o universo masculino, como era meu objetivo inicial?
De qualquer maneira, observando há mais de cinqüenta anos jamais vi qualquer mulher vestindo vermelho e branco. E tenho percebido pelo ouvi-dizer que tais recursos cromáticos aplicados às vestimentas femininas vêm rareando através dos séculos.
Alguém pode me dizer qual foi a última dama em vermelho com quem conversou e conservou na memória, onde ela certamente ainda estaria, pois como lembrou o Stevie Wonder: “A mulher em vermelho/ como um vinho fino ela sobe para minha cabeça (...)”?
Acho que a dama em vermelho ajudou a fixar e ao mesmo tempo procurou aproximar, desafiadoramente, dois universos diferentes: o masculino e o feminino.
Talvez ao mostrar, metaforicamente: - Eu, mulher, estou aqui, em todo o meu esplendor! Venha para cá, se conseguir!
Quanto ao vestido vermelho aplicado à política é uma outra história que fica para depois.
Também estou tentando reunir idéias e fatos sobre os sapatos de saltos finos e altíssimos, as meias de seda, as mini-saias, principalmente quando esses elementos se juntam numa mesma perspectiva agressiva.
Ufa!



Larry Coutinho

quinta-feira, 28 de julho de 2011

A poesia e a fé nas devoções Marianas - Crônicas da cidade plural.

Festa da Nossa Senhora da Achiropita ( clique na foto p/ ampliar)





Que Nossa Senhora é uma só não há dúvida.
Entretanto no bairro do Bexiga, em São Paulo, os cravos vermelhos e voadores que cobrem a rua Treze de Maio durante os meses de agosto reforçam a idéia de certa exclusividade religiosa presente em alguns povos cristãos.
Pois se trata de uma Nossa Senhora especial: a Achiropita.
Cuja devoção é comemorada no dia 15 de agosto, dia da Assunção de Nossa Senhora.
Maria Achiropita: a-kirós-pita, ou seja, não pintada por mãos humanas. Sabendo que kirós em grego significa mão, suponho ser este o idioma revelado por aquela frase.
Embora a origem mais remota desta Nossa Senhora venha do oceano.
A promessa de construir um santuário em Rossano Cálabro, na Calábria, surgiu logo após tempestade no mar.
No ano de 580 o capitão Maurício foi apanhado com seu primitivo veleiro por uma grande tempestade.
Naqueles tempos pretéritos a humanidade ainda aprendia a navegar e quando os elementos em fúria assumiam o controle das embarcações os capitães e os marinheiros costumavam passar o comando para os Santos ou para Nossa Senhora.
O próprio Cristóvão Colombo, perto de novecentos anos depois, quando navegava em águas do Atlântico, rezou e enfiou a mão em um saco contendo feijões marcados, para sortear quem dentre os tripulantes levaria velas à Virgem Maria, caso escapassem do mar em fúria.
Para quem gosta de saber os finais, revelo que o sorteado foi o próprio Colombo.
Porém, em 580, o capitão Maurício conseguiu salvar o barco, e sabendo que não tinham sido os ventos que levaram a embarcação para aquele porto seguro, mas sim a Virgem Maria, construiu ali um santuário.
O artista contratado para pintar a imagem de Maria não conseguia entender certo acontecimento coberto do mais profundo mistério: tudo o que ele pintava durante o dia era apagado no silêncio da noite.
Finalmente desistiu. A Igreja inacabada foi fechada e colocado um vigia.
Tarde da noite uma mulher carregando no colo uma criança pediu para entrar e rezar.
O vigia franqueou a passagem.
Na manhã seguinte, ao abrir a igreja, o vigia viu as imagens da mulher e do menino estampadas no lugar da pintura.
Certamente pintada por mãos não-humanas: a-kirós-pita.
Essas histórias e lendas construíram devoções Marianas diversas.
Nossa Senhora da Aparecida, no Brasil, cuja imagem surgiu na rede de pescadores; Nossa Senhora do Guadalupe, revelada através da impressão mágica da imagem num poncho indígena; Nossa Senhora de Fátima, a das revelações às três crianças; Nossa Senhora de Lourdes, que apareceu numa gruta; Nuestra Señora del Cobre, em Cuba; La Virgen Nera dei Miraculi, na Basilicata; Nossa Senhora da Cabeça, na Espanha (já foi objeto de considerações neste Blogue); e inúmeras outras Nossas Senhoras existentes pelo mundo afora.
Maravilhosa demonstração da necessidade que as pessoas têm de acreditar em coisas mais confortadoras para a alma do que a própria realidade circundante.
Isto em literatura chegou a criar uma corrente literária: o idealismo.
E quando no final do ano de 2010 fotografei os preparativos feitos pela comunidade daquele bairro pobre da cidade de São Paulo para a glória e o bom desempenho da 84a. Festa da Nossa Senhora Achiropita, eu percebi o enorme trabalho que tudo aquilo exigia.
E, mais do que isso, quase pude pesar e tocar com as mãos a profunda fé que justificava aquelas doações pessoais tão significativas.
Então uma imagem borrada surgiu em minha mente, vinda do fundo dos tempos.
Eu era bem mais jovem e tentava percorrer a pé os quase duzentos quilômetros do Caminho do Sol.
Antes de começar a caminhada, passei dois ou três dias em Santana do Parnaíba.
Sem ter o que fazer procurei fotografar a cidade tão fotogênica.
Encontrava-me na igreja, pensando no que fotografar.
Na praça lá fora grupos de escolares passavam, barulhentos e alegres.
A nave estava deserta e algumas velas acesas enchiam o ar do cheiro de parafina queimada.
Entrou uma menina de seus treze anos, uniformizada e carregando uma pequena mochila.
Dirigiu-se para um altar lateral.
A imagem era a de Nossa Senhora das Dores.
E assim mesmo, em pé, ela começou a conversar com a Santa.
Sussurrava e não consegui entender o que dizia.
Entretanto estava tão absorta naquela comunhão de almas com a Virgem Maria que não me viu.
Nem mesmo quando fotografei a cena por diversas vezes.
Em determinado momento a menina começo a chorar, silenciosamente.
As lágrimas escorriam do rosto da jovem, magrinha e de expressão sofrida.
Ajoelhou, colocou o rosto entre as mãos e rezou.
Depois, terminada a reza, consultou o relógio de pulso, suspirou um desalento, levantou-se e deixou a igreja.
Com enorme dignidade.
Mais tarde, ao revelar o filme, verifiquei que as fotos eram magníficas. Talvez as melhores da minha vida. O rosto ansioso e de expressão dolorida, marcada por fios de lágrimas, suplicavam por um átimo que fosse de solidariedade.
Envergonhado com aquela quebra tão brutal da intimidade, coloquei as fotos em uma caixa e lá as esqueci, como deve ser.
E ali, no torvelinho dos preparativos para a festa da Achiropita, por entre panelas, caixas, volumes, carros e pequenos caminhões eu contemplei a comunidade ocupada, ouvi com atenção o burburinho, destaquei risos e xingamentos afetuosos ou irados, separei frases e de repente percebi que estava novamente penetrando na intimidade das pessoas, em algo mais profundo do que a própria paisagem mostrava.
Novamente envergonhado, guardei a câmara e fui almoçar numa pequena cantina.
Macarrão com bracholas.




Larry Coutinho

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Breve crônica do “ai!” desaparecido - Crônicas da cidade plural.

Na língua portuguesa o “ai” é uma interjeição que geralmente exprime lamento, dor, mas também pode expressar alegria, felicidade, excitação...
A interjeição não deve ser confundida com o advérbio “ai”, que serve para designar o lugar onde está a pessoa a quem se fala.
Por sua vez, o “ah” é outra interjeição com significado mais amplo, embora na mesma direção do “ai”: impaciência, compaixão, dor, pesar, ironia, assombro, alivio, duvida, desejo, admiração, alegria...
Ao saber pela pesquisadora Alicia Medeiros (el Flamengo, editorial Acento, Madrid) sobre as dimensões do “ay!” utilizado no canto flamengo da Andaluzia, comecei exercício mental de reconhecimento do uso da interjeição no cancioneiro popular brasileiro.
Eis, em tradução pobre e apressada, o que Alicia revela:
“Esse “ai!”, palavra espantada, desgarrada e rebelde que ainda não encontrou o grafismo exato, é na realidade a dimensão maiúscula do flamengo, donde brota a grandeza trágica de um povo que representa assim os pináculos da raiva e da ira. É o homem esfarrapado, destruído, a mão que não encontra um ombro amigo”.
Para quem não sabe, o flamengo é um gênero musical da Espanha. Mais do que da Espanha, da Andaluzia, provindo de raízes judias, árabes e ciganas.
Região sul do país por onde a cultura árabe passeou vitoriosa durante oito séculos e depois foi expulsa. Os remanescentes sofreram humilhações e pagaram caros impostos ao rei para manter os privilégios. Terras por onde os ciganos carregaram seu nomadismo trágico. Aldeias onde os judeus viveram o destino incerto dos povos oprimidos, forçados a adotarem a religião católica para não perecerem nas garras cruéis da Santa Inquisição.
Os cristão-novos...
E as três etnias adotaram como delas a copla andaluza, repleta de dores e de queixas, o canto flamengo, onde o “ay!” inicia a canção ou surge espontaneamente em intervalos aleatórios.
Como disse Rafael Cansinos: “- A copla (andaluza) é um canto dos parias que alguma vez foram príncipes e continuam se sentindo como tais”.
E continua Alicia Mederos: “ É por isso que a letra fica diluída nas queixas do cantor, e que chega até mesmo ininteligível aos ouvidos de quem a escuta, de quem a sente. Não acredite que a letra da canção não tem importância ou que ela ocupa lugar secundário. Pelo contrário, essa letra ininteligível é um destroço, uma parte destacada da angustia do próprio cantor. É a verdade que levanta a canção (...)”.
No século XIX, quando espanhois migraram para a Argentina, levaram com eles esse sentido de pena, queixa, e angustia existentes no cancioneiro que seguia junto.
Imigrantes de Almeria, Cádiz, Cordoba, Granada, Huelva, Málaga e Sevilha, enfim de toda a Andaluzia, que ajudaram a dar ao tango-canção platino todo o sentido trágico do “ay!” flamengo.
Desta vez na nostalgia dos imigrantes obrigados a viver longe da terra natal, dos amores desfeitos, das angustias existenciais, das traições conjugais...
Em 1985, estampada no jornal “La Razón”, numa entrevista concedida pelo escritor argentino Borges a Armando Otamendi, chamada “Borges y los juegos por dinero”, encontrei o seguinte:
“O tango não me agrada, pois é uma decadência da milonga. A milonga, ao contrário, é um desafio, enquanto o tango é sentimental, e eu detesto o sentimentalismo. Como dizem no Brasil, o tango é o lamento dos cornudos.”
Naquele recorte antigo pensei ter encontrado o lugar do cancioneiro mundial onde se escondia o “ay!” andaluz.
O argumento pareceu-me forte e definitivo.
Marquei o texto e fiquei esperando alguém com quem pudesse comentar o assunto.
Porém coloquei o jornal sobre uma estante do meu escritório.
Exatamente a que abriga todos os discos brasileiros de samba-canção, da década de 50.
Relembrei algumas das letras, revi mentalmente a obra de Lupicínio Rodrigues: “Eu gostei tanto, tanto, quando me contaram...”, murmurei algumas das minhas canções favoritas, e cheguei a Dolores Duran.
E o “ai!” surgiu, em todo o seu esplendor.
“Ternura Antiga”, Dolores Duran e Ribamar.
“Ai, a rua escura, o vento frio / esta saudade, este vazio / esta vontade de chorar.../ Ai, esta amargura, esta agonia.../ esta ternura tão antiga / e o desencanto de esperar.../ Sim, eu não te amo por que quero... / Ai, se eu pudesse esqueceria / vivo, e vivo só por que te espero / Ai, esta amargura, esta agonia...”
“Leva-me Contigo”, Dolores Duran.
“Ai, leva-me contigo / pela noite eterna / da tua amargura/ deixa que eu te ofereça / todo este carinho / toda essa ternura...(...) /Ai, leva-me contigo / e perde a minha vida / quando te perderes (...)”
“Solidão” (samba-canção), Dolores Duran.
“Ai, a solidão vai acabar comigo / eu já não sei o que faço,/ o que digo,/ vivendo na esperança de encontrar / um dia um amor sem sofrimento (...) ./Ai, a solidão vai acabar comigo”.
“Por Causa de Você” (samba-canção), Antônio Carlos Jobim e Dolores Duran.
“Ai, você está vendo só / do jeito que fiquei, e que tudo ficou / uma tristeza tão grande / nas coisas mais simples / que você tocou. (...)”
Finalmente um baiano genial, saindo dos temas do amor desfeito e seguindo para a saudade do lugar de origem:
“Saudade da Bahia” (samba), Dorival Caymmi.
“Ai, ai que saudade eu tenho da Bahia !/ Ai, se escutasse o que mamãe dizia:/ Bem, não vá deixar a sua mãe aflita / a gente faz o que o coração dita,/ mas este mundo é feito de maldade, ilusão./Ai, se eu escutasse hoje não sofria,/ Ai, esta saudade dentro do meu peito!/ Ai, se ter saudade é ter algum defeito,/ eu pelo menos mereço o direito / de ter alguém com quem eu possa me confessar! (...)”.
Eis o “ay!” andaluz traduzido, torneado, adocicado, individualizado como deve ser, e que continuou a revelar a crise existencial profunda, a exclusão e o sofrimento.
E a saudade da terra natal!
Mais adiante encontrei a interjeição “ai!” modificado em “ah!”, e o tema alterado transforma a sensação de angustia e de dor em esperança e o desejo de alcançar o impossível:
“Eu e a brisa”, Johnny Alf
“Ah! Se a juventude que essa brisa canta / ficasse aqui comigo mais um pouco / eu poderia esquecer a dor de ser tão só pra ser um sonho (...)”.
Ao final, penso em duas possibilidades para tentar explicar o desaparecimento do “ai!” das canções: ou a humanidade não sofre mais, no que eu acho difícil de acreditar, ou o pudor e a necessidade de ocultar as fraquezas obrigou o homem moderno a esconder tudo aquilo que, através dos séculos, a humanidade canora revelou tão verdadeiramente através das letras, nas canções.

Larry Coutinho

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Orixás no Largo da Banana - Crônicas da Cidade Plural

Sozinho em São Paulo na chuvosa noite de janeiro eu janto no Posílipo, cantina que não existe mais.
Que pena!
Depois pego o automóvel estacionado ali perto e desço em direção ao Largo da Banana.
Vou atrás de samba, capoeira ou feitiçaria...
Já não é mais um lugar onde estacionavam as carroças, e depois delas, ponto de encontro dos capoeiristas, dos sambistas, dos seresteiros...
Também ainda não é o lugar onde será construído o Memorial da América Latina.
É o Largo da Banana vigente nos primeiros anos da década de sessenta.

A Barra Funda, o Bexiga e a Baixada do Glicério são três dos principais redutos de ex-escravos vindos do interior do estado - ah! a rua Sinimbu! Entrou em minha vida sem pedir licença. Depois eu conto.
Com os escravos recém-libertos, no início do século vinte, chegou o samba rural, as serestas, uma espécie de jogo de capoeira que chamam de tiririca, a umbanda e o candomblé.
Na Barra Funda existiam os casarões da antiga classe média dos fazendeiros de café, que a crise de vinte e nove transformou em cortiços.
Local de venda dos cachos de banana trazidos do litoral pelas gaiolas dos trens a praça tomou naturalmente o nome de Largo da Banana.
Nas noites garoentas de outrora, quando as carroças distribuidoras do produto deixavam a região, era chegada a hora dos sambas, das serestas, da capoeira, da umbanda, do candomblé.


Endereço no bolso eu sigo em busca de um terreiro.
Se correr estarei lá a tempo de assistir ao candomblé, numa sala que fica em edifício de escritórios.
Chego bem na hora.
Subo correndo a empinada escada que leva ao primeiro andar.
Logo depois da minha entrada um rapaz com um giz escolar na mão traça um ponto escrito no cimento, em frente à porta.
Intrincado desenho! É um poderoso ponto escrito.
Ninguém entra ou sai antes do fim dos trabalhos.
O terreiro está fechado para o culto.
Homens de um lado e mulheres do outro, todos em pé.
Escrivaninhas, cadeiras, arquivos, máquinas de escrever, tudo amontoado no fundo.
De dia, a sala serve de escritório, de noite, é terreiro!
Cruzo os braços e imediatamente diversas vozes protestam:
- Está quebrando a corrente!
Desafiador, verifico a massa indignada.
Sou minoria étnica, por isso abaixo os braços, deixando-os paralelos e rentes ao corpo.
Começa a corimba.
Os atabaques rufam.
Uma voz grossa, de homem, vinda de algum lugar:
- Quem é de boa noite, boa noite. Quem é de abença, abença!
O povo responde em uníssono.
O agogô se junta aos atabaques.
E todos cantam o Exu da Porteira:

“Portão de ferro tá virando de madeira,
Portão de ferro tá virando de madeira.
Exu, toma conta,
Exu, fecha a porta da porteira...”

Já sei que é uma sessão destinada a Exu e sua corte.
Desce a Pomba Gira e os tambores modificam o andamento.
Todos cantam a Pomba Gira:

“Pomba Gira, gira, gira,
Saravá, todo o povo na encruza.
Pomba Gira, gira, gira
Saravá, todo o povo na encruza.

Pomba Gira, ô, ô, ô,
Pomba Gira, e, e, e,
Ela é rainha
Da encruza de Te.

Ela é bonita
Bonita e caridosa...”

A Pomba Gira desce, me tira para dançar e depois implica comigo:
-Ocê num sabe dançá!
Vozerio indignado, até uma voz gritar:
- Sete encruzilhada!
Nova cantoria.
O ambienta esquenta.
Uma entidade fumando cachimbo dá consultas.
Pergunto sobre a Manuela, uma loirinha gostosa que trabalha comigo, e ela responde:
-Se o fio tá perguntano, é pruquê já sabe que ela num presta, né?
E segue adiante, atendendo à próxima consulta.

Finalmente o rapaz vestido de branco apaga o ponto escrito destrancando o terreiro.
Garoa, quando saio.
Procuro algum vestígio de atividade no Largo da Banana.
Quem sabe uma roda de samba, uma turma da tiririca , um solitário seresteiro?
Nada, ninguém...
A garoa se transforma em chuva miúda e eu caminho apressado, a procura do automóvel.
Larry Coutinho

sábado, 11 de junho de 2011

Por onde anda a fé dos paulistas? - Crônicas da Cidade Plural.




No estado de São Paulo, final do século passado, comecei a fotografar capelinhas de beira de estrada, percorrendo estradas vicinais, caminhos nas periferias das cidades do interior, picadas que morrem em porteiras sempre fechadas de grandes fazendas...
Minhas viagens tornaram-se raras, porém ainda continuo com a mania.
Essas capelinhas são pequenas.
Um ou dois metros quadrados, se tanto.
São utilizados pelas populações locais para a guarda de imagens quebradas de Santos, rosários que pertenceram a parentes já falecidos, crucifixos das mais variadas formas e tamanhos, cruzes provenientes de antigas capelas demolidas ou quebradas em túmulos, imagens impressas de Santos...
Enfim, muita coisa de grande valor devocional pode aparecer nos inventários, se forem minuciosos.
Geralmente fotografo a capelinha como aparece na paisagem, e depois o interior, procurando abranger todo o pio estoque que foi nela depositado.
Às vezes, algumas surpresas...
Em Pirassununga encontrei numa destas capelinhas convivendo harmonicamente com imagens de Nossa Senhora da Aparecida, de Santa Bárbara, de São Sebastião, e crucifixos de diversas formas, a massuda imagem da Escrava Anastácia quase sepultada por uma quantidade enorme de terços e de tocos de velas.
Aquele achado me conduziu naturalmente à ligeira pesquisa sobre a vida e a obra daquela pobre Anastácia, condenada a morrer de fome pela senhora da fazenda por haver roubado um doce.
Aplicada a mordaça de ferro e fechadas as algemas, a linda escrava de olhos azuis finalmente morreu.
E ficou a duvida natural.
Condenada pelo roubo do chocolate, ou talvez pelos ternos olhares que o senhor das terras lançava em direção à escrava?
Sem conseguir estabelecer se a história é real ou mítica, ficou o desejo, ainda não realizado, de aprofundar-me na busca da verdade.
Quem sabe não estará ali mais uma Santa brasileira?
Uma vez que as pessoas que rezavam por Anastácia, passaram a rezar para Anastácia.
E segundo a lenda ela promoveu curas milagrosas.
Ultimamente tenho encontrado capelinhas protegidas por grades de aço.
Os fiéis depositam as imagens dos Santos em frente à grade e periodicamente o cuidador abre a capela e as recolhe.
Então eu soube que a pilhagem é sempre muito grande.
Das capelinhas desprotegidas surgiram algumas valiosas imagens de Santos fabricadas na Europa nos séculos passados, e as chamadas “paulistinhas”, imagens muito antigas de Santos e Santas esculpidas em madeira, possivelmente a canivete, que alcançam preços fabulosos em lojas especializadas.
Para quem desejar ingressar neste agradável trabalho de busca e pesquisa, informo que o estado de São Paulo ainda oferece um prato cheio. É verdade que rareiam e em breve desaparecerão, porém ainda podem ser encontradas capelinhas, alminhas, cruzes de estrada, ermidas, oratórios, capelinhas em fazendas antigas, pequenos santuários, jubileus, e capitéis, que são oratórios, pequenas capelas onde se cultua a imagem de única Santa.
Ou mesmo nas grandes cidades.
De São Paulo cito o exemplo da Capela dos Aflitos, na Liberdade, ou do culto à Nossa Senhora da Cabeça, que já foram objeto de interesse deste blogue. Entretanto, ao encontrar uma capelinha abastecida com imagens e outros objetos religiosos, resista à natural tentação e somente tire fotografias e deixe orações.
Larry Ramos Coutinho ( junho de 2011)