domingo, 19 de novembro de 2017

                                   ILHABELA, PEDRAS, ÁGUAS E VEGETAÇÃO.
       











INTRODUÇÃO





    Em pleno século vinte e um, mais de quinhentos anos depois do descobrimento oficial do Brasil, ou se o leitor desejar oitenta séculos após o homem lançar nas águas a sua primeira canoa de tronco escavado, Ilhabela continua a guardar mistérios e deslumbramentos.
Quais mistérios serão os mais relevantes?
Serão algumas missas rezadas em latim macarrônico? Veremos as casas e as armadilhas para peixes cercadas por varas de bambu? Terá sido mantida a crença nos seres encantados, na comunhão com o mar ou no enigma do dia seguinte regido pela lua? E no lobisomem? O que foi o limo?  Qual ouro colonial tem probabilidade de ser encontrado por caçadores de tesouros: ouro em pó, em pepitas ou em barras com cunho da Coroa portuguesa? É verdade que a Ilha abrigou homens pré-históricos durante milênios? E o primeiro grupo étnico do povo genuinamente brasileiro, os caiçaras? O que é a Tontinha? E o vento do padre? No sul da ilha quem ainda se lembra do frio do Rosa? Quais as praias que guardam as casas de canoa?
As trilhas e picadas antigas, a onipresente, porém inatingível floresta tropical, os pássaros álacres e coloridos, as feras e serpentes ocultas pelas folhagens e apenas pressentidas, o murmurar dos rios e regatos, o estrugir das cachoeiras, as capelas fechadas guardando altares e santos imaginados pela fé dos devotos, a visão desafiadora dos altos picos solenes, as praias fáceis, as difíceis, e as impossíveis de serem atingidas, as águas e as pedras que cantam afinadas no timbre dos sinos, a enorme sombra dos homens dos sambaquis a preencher o passado das praias, das costeiras, dos manguezais e das lagoas, a busca da sonoridade perdida e das danças ingênuas, do timbre da viola, do gemer da rabeca, do ritmo do violão, da timba, das caixas, do pandeiro, do cavaquinho, do bandolim, do titilar dos triângulos, da percussão dos tamancos portugueses de saltos de laranjeira, da centenária congada de São Benedito, do mandango, um caixote sonoro movido a tamancadas dos calçados vestidos nas mãos, das coreografias da canoa, da chamarrita, da cana verde, da dança do boi, da marrafa, do chiba, que pode ser  xiba, cateretê, catira e talvez seja branle, falando francês medieval e lembrando da velha Cassandra, das miudezas nos intervalos, da marrapaia atando quizos nos tornozelos e trazendo lembranças bolivianas de vilancicos populares de Chiquitos, do perfume da cachaça a pingar preguiçosamente nos alambiques do tempo,  do Azul Marinho e do arroz com lambe-lambe, tudo isso contribui para aprofundar e aumentar o valor do desconhecido, do que deve ser descoberto.
Caminharam pelas surpreendentes picadas da ilha expedicionários, piratas, bucaneiros, corsários, marinheiros de várias nacionalidades, padres franciscanos, beneditinos, militares de muitos uniformes, jesuítas, contrabandistas, aventureiros, mergulhadores, indígenas, os misteriosos homens dos sambaquis, os caiçaras e gente comum.
Muitos deles apenas passaram pela ilha, outros ficaram para sempre.
E deixaram para o visitante a tarefa de descobrir o caiçara e sua cultura.
Será que existe a canção dos cortadores de pedras, dos aplicadores de folhetas ao forrar os caminhos e pátios da ilha?
O mito da ilha também fala em tesouros ocultos, naufrágios e mistérios ainda não desvendados.
Nos arredores de Ilhabela aconteceram diversos desastres marítimos. Mais de cem, lembra a história.
Muito mais de cem, alerta o mito e a tradição oral.
Quando começou a navegação pelas águas da ilha?
A ilha da Vitória, a mais distante do arquipélago, guarda vestígios de antiga ocupação indígena, sambaquis (concheiros) e cerâmicas.
Muito antiga!
Pesquisas arqueológicas recentes concluíram que pelo menos quatro ilhas do arquipélago foram habitadas pelos homens pescadores e coletores do litoral, de origem pré-histórica e certamente pré-cabralianos.
Com tanta descoberta a ser feita, esta SEPARATA nasceu com vocação interativa.
Registram algumas certezas, outras tantas incertezas e ainda deixa espaço para o leitor diligente acrescentar a sua descoberta.
Fruto de pouco mais de vinte e quatro meses de observações presenciais, de descobertas estonteantes, do desvendamento do potencial ainda não explorado da ilha, nada aqui é definitivo e tudo pode ser alterado.

                                                      



 Larry Coutinho                     

sexta-feira, 4 de abril de 2014

A Copa do Mundo,Hino Nacional Brasileiro - Crônicas da Cidade Plural

     

Dentro de alguns dias a pátria vestirá chuteiras e iniciaremos o ciclo mundial do futebol.
Antes e durante a Copa das Confederações assistimos o inusitado: - o povo presente ao estádio a cantar  o Hino Nacional Brasileiro mesmo depois de a orquestra haver parado. Era a segunda parte, a que faltava!
Estranha compulsão, espécie de osmose, que carrega multidões para o futebol, e do futebol para o patriotismo da bandeira e do Hino Nacional, símbolos sagrados da pátria.
Hino Nacional? O que é, e de onde vem?

Quando comecei a trabalhar como coordenador numa Faculdade de São Paulo, aonde eram ministrados diversos cursos universitários, precisei lidar com centenas de professores.
Os resultados dos exames vestibulares revelaram carências na formação básica dos alunos aprovados. Assim foi proposto e implantado o chamado Ciclo Básico. O curso ministrava aulas de português e de matemática, obrigatórias para os alunos de primeiro ano de todos os cursos.
Escritor de boa reputação, um dos professores de português resolveu testar a minha formação.  Perguntou-me quem era o tal de Gottschalk, cuja música o personagem de Raul Pompéia ouvia enquanto o Ateneu queimava devorado pelo incêndio.
Suspeitei desde o início que o tal professor conhecia muito bem a resposta, e brincava comigo. Respondi francamente que não sabia.
Procurei O Ateneu e reli toda a descrição do incêndio. Nada de Gottschalk! Finalmente havia ligeira referência, uns capítulos antes do fogo.
Como escritor, eu gostaria de ter engendrado qualquer um dos parágrafos do Raul Pompéia, mestre maior.
Encontrei o que eu procurava exatamente no inicio do capítulo XII.
“Música estranha, na hora cálida. Devia ser Gottschalk. Aquele esforço agonizante dos sons, lentos, pungidos, angustia deliciosa de extremo gozo em que pode ficar a vida porque fora uma conclusão triunfal. Notas graves, uma, uma; pausas de silêncio e treva em que o instrumento sucumbe e logo é dia claro de renascença, que ilumina o mundo como o momento fantástico do relâmpago, que a escuridão novamente abate. Há reminiscências sonoras que ficam perpétuas, como um eco do passado. Recorda-me às vezes o piano, ressurge-me aquela data.”
Na enfermaria do Ateneu deserto o personagem convalescia do sarampo. Foi o momento da música de Gottschalk, e não do incêndio que eclodiria logo em seguida.
Notas longínquas, murmúrios distantes trazidos pelo vento.
Somente depois que a música cessou é que começou o incêndio.
Não existe aquela cena dantesca das  enormes línguas de fogo sendo acompanhada pela  música marcial, viril, e arrebatadora.
Raul Pompéia poderia ter caminhado por esta conclusão, mas não o fez.
Ah! Que safado saiu-me o professor, agora eu sei!


Três ou quatro anos depois, numa incursão a um sebo, encontrei um disco LP cuja grande capa quadrada alardeava: “ Fantasia sobre o Hino Nacional Brasileiro”, piano, Louis Moreau Gottschalk.
Gravei o conteúdo numa fita cassete e transportei o material para a Faculdade, para mostrar “a música de Gottschalk” ao professor de português.
O professor chamava-se Martinho Lutero, e aquele nome próprio mantinha-me, mais do que a pergunta feita, em estado de permanente atenção. Devo confessar que me sentia Papa, sempre à espera de contestações e de reformas. Porém, para minha surpresa, grande pena e certo alívio fui informado de que Martinho Lutero não lecionava mais naquela instituição.


Quanto a Gottschalk, desvendava-se o mistério, lentamente.
Corri para obra de Edoardo Vidossich, “Sincretismos na música afro-americana”.
Quem sabe, não é?
E lá estava no capítulo “Influência dos ritmos primitivos na música erudita”.
“Gottschalk seria o iniciador de uma escola de compositores americanos que, tentando livrar-se do velho ritmo europeu, uniforme e simétrico, partiram para experiências que, na época, foram consideradas revolucionárias, devido ao emprego de um folclore nacional e exploração de temas, elementos rítmicos e coreográficos diferentes.”
Tratava-se de pianista, orquestrador, regente, compositor e concertista norte americano, nascido em Nova Orleans em 8 de maio de 1821, e falecido no Rio de Janeiro aos 48 anos de idade, em 1869, atacado pela febre amarela.
Musico classificado por Gilbert Chase na categoria de “periferia exótica”.
Segundo Vidossich, Gottschalk teria sido o precursor da forma pianística do ragtime. Porém o que é ragtime?
Em definição simples trata-se de música caracterizada por melodia sincopada sobre um acompanhamento regularmente acentuado.
Parece que a expressão ragtime antecedeu a palavra jazz.
No sentido mais estrito, o ragtime é um estilo musical ao piano, criado em fins do século dezenove.
Apareceu primeiramente nos palcos de casas de shows freqüentadas por negros.
Então Gottschalk não foi o precursor, mas aproveitou a invenção dos negros.
Ou foi o contrário?
Talvez um dos precursores.
De 1896 a 1917 foi a forma musical mais popular nos Estados Unidos, portanto Gottschalk, falecido em  1869, não acompanhou o apogeu do ragtime.
A expressão ragtime surgiu de ragged time, que significa tempo fragmentado, ou tempo dilacerado, referindo-se à melodia sincopada e ao ritmo de contra tempo.
Mostrava toque acentuado nos registros baixos do teclado (tempo forte) e um acorde num registro mais agudo (tempo fraco), ao passo que a mão direita executava o tema e as variações.
Andamentos marciais, com 16 ou 32 compassos, incluindo dois ou três temas diferentes.
Era música vocal e instrumental, mas hoje o ragtime vocal confundiu-se com a música popular, e o ragtime de piano manteve a forma original e tornou-se elemento importante do jazz instrumental.
No começo do século o ragtime imperava em salões chamados Barrel-house.
O Barrel-house tem o seu equivalente no Honky-tonk, antigo cabaré de má reputação.
Barrel-house, Honky-tonk e ragtime costumam indicar o mesmo estilo de piano usado pelos autênticos jazzistas, a maneira peculiar de interpretar temas sincopados.
Quando Gottschalk nasceu em Nova Orleans, a cidade era um caldeirão onde se misturavam diferentes culturas. A anglo-americana, a francesa, e espanhola, a negra... Em sua própria casa Gottschalk via o pai, inglês descendente de alemães, meio judeu, e a mãe francesa. Precoce, aos 12 anos foi estudar música em Paris, e aos 13 dava concertos.
Excelente intérprete, ele começou a compor muito cedo.
E fez o que então nenhum compositor erudito fazia: - transpôs para a música e para a  canção eruditas temas tirados do rico folclore  da Luisiana e das Antilhas.
Observador atento da música negra da Luisiana prosseguiu com a linha adotada nas viagens que fez pelas Antilhas e pelo Brasil, além de outras repúblicas latino-americanas.
As suas composições da época, “Pasquinade”, “La Bananier”, “Chanson Nègre”, “La Savane”, “Le Banjo”, “La Bambula” revelam essas influências, além de grande semelhança com o estilo dos primeiros grandes ragtimers posteriores, Scott Joplin e James Scott.
Mais tarde e a exemplo de Gottschalk, Joplin e Scott tentaram levar o folclórico para a musica erudita, através das óperas “A Guest of Honour”, “Treemonish”  e “The Fascinator”.
Gottschalk, em sua obsessão de mesclar sincreticamente  diversas tendências e culturas, notadamente a afro-anglo-americana, certamente abriu caminho para o próprio Dvorák , que no final do século dezenove descobriu  a inspiração nas “plantations melodies”, e miscelânea das criações de ex-escravos compõem sua sinfonia “Novo Mundo”.
A “Sinfonia do Novo Mundo”  foi composta nos três anos em que o checo Anton Dvorák  trabalhou como  diretor do Conservatório Nacional de Música dos Estados Unidos, em Nova York..
Embora Dvorák tenha sempre negado qualquer influência na “Sinfonia do Novo Mundo” que não as clássicas e antigas formas européias.
A peça estreou com triunfo imediato no Carnagie Hall em dezembro de 1893.
Inúmeros outros conceituados compositores receberam a influência do método adotado por Gottschalk, e do seu ragtime.
Prosseguir nessa direção afastaria a razão principal deste meu escrito, por isso menciono apenas Morton Gould, Aaron Copland - cujo único pecado foi chamar de “Salón México”  sua obra de inspiração cubana. - e finalmente, George Gershwin (Summertime, só para lembrar), sobre o qual já tratamos neste blogue.

     Nem sequer falo na trajetória de Gottschalk até 1865, ano em que ele abandonou  precipitadamente a Califórnia por causa de uma mulher.
Interessam-me, e interessaram ao escritor Raul Pompéia, ao Imperador D.Pedro II e ao professor Martinho Lutero os sete meses e meio que Gottschalk passou no Brasil, os últimos da sua vida.
Se os sete meses não dão samba, certamente dariam mini-série daquelas caprichadas, da TV Globo.
Curto tempo vivido furiosamente, entre mirabolantes e vencedores projetos, seus maiores triunfos.
Triunfos brasileiros daquele musico norte-americano classificado como “periferia exótica”.
Numa carta a um amigo de Boston, Gottschalk contou:


“Minhas apresentações aqui são um verdadeiro furor. As entradas estão esgotadas com oito dias de antecedência. O Imperador, a família real e a corte não perderam um só dos meus concertos. Sua Majestade me tem recebido diversas vezes em seu palácio. O Grande Oriente da Maçonaria me ofereceu uma recepção solene. O entusiasmo com que tenho sido recebido aqui é indescritível. No último concerto, fui coroado em cena pelos artistas do Rio”.

Em 10 de maio de 1869 Gottschalk desembarcou no Rio de Janeiro (dois dias depois de completar quarenta anos).
O Teatro Lírico Fluminense anunciou o seu primeiro concerto em três de junho.
Sucesso absoluto. Casa cheia, com a presença do Imperador.

Porém o melhor ainda estava por vir.
Para outubro Gottschalk caminhava em direção à  apresentação de um concerto-monstro, talvez o maior jamais tentado por qualquer maestro até então.
O Imperador dera a Gottschalk jurisdição total sobre as bandas do Exército, Marinha, e Guarda Nacional.
Feitas as contas, Gottschalk tinha sob suas suaves ordens 62 tambores, 55 cordas, 16 bumbos, 6 flautas, 11 flautins, 65 clarinetas, 60 trompetes, 60 trombones, 55 bombardinos, 50 tubas e trompas, agrupadas em noves bandas da Guarda Nacional, quatro da Marinha Imperial, uma do Exército, outra do Arsenal de Guerra, uma orquestra de setenta professores, duas orquestras alemãs, e alguns canhões.
Eram seiscentos e cinqüenta músicos, todos à espera das suas partituras.
Gottschalk e onze copistas prepararam as partituras. Manualmente, como era possível na época.
Entretanto o recorde quantitativo de Gottschalk seria quebrado, três anos depois (em 1872), pelo maestro Johann Strauss II, ao reger, em Boston, uma orquestra de mil instrumentos e um coro de vinte mil vozes na execução de O belo Danúbio Azul.
E certamente não se sustentaria diante do coro de dezenas de milhares de vozes dos mineiros de carvão, cantando a Aleluia, de Handel, feito devidamente registrado em disco pelas companhias gravadoras.
Em agosto o maestro Gottschalk sofreu um ataque de febre amarela e foi obrigado a convalescer em Valença (RJ).
O concerto-monstro estava programado para o dia 24 de novembro. Gottschalk estava de novo doente, mas não abandonou o embate. Foi o último ato do maestro.
Centenas de músicos, uniformes, flores, estandartes, publico seleto, tudo iluminado por bicos de gás e atmosfera de mil e uma noites.
Foram apresentados temas de Fausto e do Carnaval em Veneza, depois o andante da sinfonia La Nuit des Tropiques, e a Grande Tarantela, ambas do próprio Gottschalk.
O gran finale foi a Marcha Solene Brasileira.
Composta para a ocasião destinava-se a orquestra e banda marcial e incluía o efeito guerreiro das salvas dos canhões, antecipando-se assim por 13 anos à célebre Abertura 1812, de Tchaikovsky.
Novo concerto-monstro foi programado para o dia vinte e seis de novembro.
Nele, enquanto tocava peças ao piano, Gottschalk teve um colapso em pleno palco
Internado imediatamente faleceu em 18 de setembro.
No Rio de Janeiro seu enterro foi monumental.

Na Marcha Solene Brasileira estava contida a Grande Fantasia Triunfal sobre a Marcha Triunfal, composta em 1822 por Francisco Manuel da Silva (1795/1865) para comemorar a Independência, e que seria o Hino Nacional Brasileiro em 1890.
A Marcha Triunfal, sem letra, nascera com partitura para banda.
A variação composta por Gottschalk agradou ao imperador D. Pedro II.
E agradou ao imperador porque a Marcha Triunfal era sua velha e querida conhecida.
Desde os anos 1830, especialmente em sete de abril de 1831, quando, reunida a tropa, certo general acompanhado pelo seu Estado-Maior leu em frente aos homens o Decreto pelo qual Dom Pedro I declarava haver abdicado na pessoa do seu augusto filho.
Em sete de abril de 1831 a Marcha tornou-se popular na abdicação de D. Pedro I.
Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva escreveu a primeira letra, cantada no cais do Largo do Paço, no Rio de Janeiro.
A Marcha recebeu o nome de “Sete de Abril”.
Eis a primeira estrofe:

Os bronzes da tirania
Já no Brasil não ronquejam
Os monstros que o escravizaram
Já entre nós não vicejam
(...)

Era Marcha ainda sem letra oficial, e durante todo o Império nenhum Decreto o oficializou como Hino Nacional Brasileiro, o que somente aconteceu em 1890, no segundo ano da República.
Na verdade a Marcha Triunfal / Hino Nacional Brasileiro teve três letras distintas, ou talvez quatro.
A primeira foi feita por ocasião da abdicação de D. Pedro I e cantada pela primeira vez em sete de abril, festejando a partida da família real para Portugal. Atribuída a Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva, a letra episódica era ruim e mal feita.
A segunda letra foi escrita em 1841, para saudar e festejar a coroação de D. Pedro II. Não se sabe o nome do autor destes segundos e bajulativos versos.
Eis a primeira estrofe da nova letra na coroação de D. Pedro II:

Negar de Pedro as virtudes,
Seu talento escurecer
É negar como é sublime
De a bela aurora o romper
(...)

     Finalmente em 1909 entrou em Discussão no Congresso o Projeto de Letra para o Hino Nacional, considerando o poema de Joaquim Osório Duque Estrada. Tratava-se da terceira letra, ainda uma proposta para o Hino Nacional.
     O governo de Epitácio Pessoa pagou cinco contos de réis pela música, e a terceira letra, de Joaquim Osório Duque Estrada, foi apreciada pelo Congresso Nacional.
Durante a demorada tramitação no Congresso, a letra do Hino Nacional sofreu alterações promovidas pelo próprio autor, e assim, a quarta letra foi aprovada como letra oficial do Hino Nacional Brasileiro somente em 1922, ano em que se comemorou o centenário da Independência.

Desde 22 de setembro de 2009 o Hino Nacional Brasileiro é canto obrigatório, uma vez por semana, em todas as escolas públicas brasileiras de ensino fundamental.
Entretanto, a figura de Sigismundo Neukmomm costuma passar despercebida no cenário musical brasileiro.
Quem foi este maestro tão ligado às sonoridades pátrias?
Tratava-se de compositor austríaco que em 1815 recebeu a incumbência de programar a parte artística do Congresso de Viena, reunindo na capital austríaca praticamente todas as cabeças coroadas da Europa.
Politicamente o Congresso de Viena redesenhou todas as fronteiras da Europa, já livres de Napoleão Bonaparte.
E artisticamente permitiu, nos salões, a introdução de um novo gênero musical até então proscrito: a valsa, dança de pares, considerada indecente e vulgar.
Audaciosamente Sigismundo Neukmonn levou-a e deu-lhe posição de relevo durante o Congresso.
O mesmo Sigismundo Neukmmon, no ano seguinte (1816) fixou residência no Brasil.
Aqui, foi professor de composição do Príncipe Real D. Pedro I, de piano da Princesa Dona Leopoldina, Arquiduquesa da  Áustria e nossa primeira Imperatriz, e ainda professor de composição e de piano de Francisco Manoel da Silva.
No Rio de Janeiro Joaquim Manoel da Câmara compunha com sucesso as suas modinhas.
Entusiasmado com o que ouviu, Neukmmon harmonizou vinte modinhas de Joaquim Manoel e mandou imprimi-las em um álbum, em Paris.
Também trouxe a desconhecida valsa para a corte brasileira, e deixou inegável presença e perfumes em nossos hinos mais queridos.
Pois seus alunos de composição, D. Pedro I e Francisco Manoel da Silva foram respectivamente os autores do nosso Hino da Independência e da Marcha Triunfal (mais tarde Hino Nacional Brasileiro).


E agora, a entrada dos generais da revolução de 31 de março de 1964.
Tomado o poder brasileiro, já no dia primeiro de setembro de 1971 era publicada a Lei número 5 700, que dispunha sobre a forma e apresentação dos Símbolos Nacionais e dava outras providências.
Assim, o Artigo primeiro, parágrafo segundo, dava como Símbolo Nacional inalterável o Hino Nacional..
Qual Hino Nacional?
O artigo sexto explicava: O Hino Nacional é composto da música de Francisco Manuel da Silva e do poema de Joaquim Osório Duque Estrada, de acordo com o que dispõem os Decretos n. 171, de 20 de janeiro de 1890, e n. 15 671, de 6 de setembro de 1922, conforme consta dos Anexos números 3, 4, 5, 6 e 7.
E o Parágrafo Único do mesmo Artigo, acrescentava:
A marcha batida, de autoria do mestre de música Antão Fernandes, integrará as instrumentações de orquestra e banda, nos casos de execução do Hino Nacional, mencionados no Inciso I do artigo 25 desta Lei, devendo ser mantida e adotada a adaptação vocal, em fá maior, do maestro Alberto Nepomuceno.
A Seção II, Do Hino Nacional, em seu Artigo 24, dizia:
A execução do Hino Nacional obedecerá as seguintes prescrições:
I - Será sempre executado em andamento metronômico de uma semínima igual a 120 (cento e vinte).
II- É obrigatória a tonalidade de si bemol para a execução instrumental simples.
III- Far-se-á o canto sempre em uníssono.
E seguia a Lei, disciplinando a apresentação do Hino Nacional Brasileiro em seus mínimos detalhes.
Para quem não concordasse com as limitações impostas pela Lei, estabeleceram-se as penalidades: multa igual a quatro vezes o maior salário mínimo em vigor no país, que poderia ser convertida em detenção, na forma da Lei Penal, ao critério da autoridade policial.

     No glorioso ano de 1973, uma consulta anônima feita à Comissão Nacional de Moral e Civismo pediu a proibição da Grande Fantasia Triunfal de Gottschalk sobre a Marcha Triunfal (Hino Nacional Brasileiro), em face do desrespeito à Lei número 5700.
Proibida a apresentação pública, o processo rolou durante anos.
Somente em sete de setembro de 1981 os brasileiros puderam ouvi-la novamente, junto ao Monumento do Ipiranga, executada em apoteose para um publico de oitocentas mil pessoas pelas  orquestras Sinfônica Brasileira e do Teatro Municipal de São Paulo, sob a regência do maestro Issac Karabtchesky.
Alguns anos depois, em 1985 foi liberada a venda do disco da Fafá de Belém contendo outra versão do Hino Nacional, também  proibida pela censura.
O LP correspondente tem, na contracapa, comovente  opúsculo do escritor Mauro Santayana, não de censura à ditadura, mas de apoio ao hino nacional e à versão dada pela excelente cantora, que tanto desagradou aos militares.
Por coincidência ou de propósito, não sabemos, ambas as versões iniciam com o piano escandindo a melodia tão querida por todos nós, tradução musical da frase “Ouviram do Ipiranga...”
O que as diferencia não é somente o ritmo e o andamento.
Numa, é melancólico e dolorido, noutra, marcial e revolucionário, como convém à “periferia exótica”!
Entretanto, a versão cantada por Fafá de Belém é um arranjo, e a de Gottschalk, uma variação.

Para saber muito mais:
Vidossich, Edoard - Sincretismos na música afro-americana. Ed. Quiron/MEC S.PAulo, 1975
Muggiati, Roberto - contracapa do LP Gottschalk - Grande Fantasia Triunfal sobre o Hino Nacional Brasileiro. CID - Eugene List - piano; Samuel Adler - regência - 1985.
Santayana, Mauro -  LP Aprendizes da Esperança - Fafá de Belém - Som Livre - 1985.
Pompéia, Raul - O Ateneu - qualquer edição.
Coutinho, Larry – Modinhas fora de moda e as chulices do lundu.

Larry Coutinho

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Blue Jasmine x A Street Car Named Desire - Crônicas da Cidade Plural.

Novo olhar sobre velhos temas

               
 Woody Allen, Cate Blanchett, Cacilda Beker, Vivian Leigh e Tennessee Williams.                   
 Ou chá, cana-de-açúcar, laranjas, simpatias e Blue Jasmine. 
      
O cafezinho brasileiro pode ser sorvido rapidamente de diversas formas e em todas as ocasiões: em pé e ao lado dos balcões de apinhadas padarias, nos saguões dos aeroportos, nas salas de espera, nos estabelecimentos bancários onde os gerentes procuram manter os  clientes confortáveis e mimados, ou  nas visitas formais a vizinhos e conhecidos.
Ao contrário e sabe-se lá por qual razão o chá sempre está condicionado a certas manias ligadas ao ato de consumi-lo, e também ao consumidor propriamente dito. 
O bebedor de chá, cuja vida é pautada por certa sofisticação, quase sempre dispõe de tempo livre, o que lhe permite considerar com seriedade todo o ritual do necessário.. 
Não estou tratando do complicado ritual chinês, nem das cronometradas sessões inglesa do “five o’clock tea”, mas sim de pequenas manias, como, por exemplo,  manter exata a temperatura da água do chimarrão (que é o chá do gaúcho), ou a de só considerar saborosa a bebida proveniente das  folhas de chá  oriundas de certas regiões do globo terrestre.
Como inveterado bebedor de chá prefiro todas as marcas que ainda são comercializadas pelos ingleses e colhidas na região de Darjeeling, uma pequena cidade situada no noroeste da Índia.
Lá, o período das chuvas vai de Junho a Outubro.
Toda a região está colocada entre mil e oitocentos a dois mil e quatrocentos metros acima do nível do mar, e da pequena janela do quarto que a amiga Carol coloca sempre à minha disposição quando estou na Índia consigo enxergar o Everest e o Kanchenjunga, duas das mais altas montanhas do mundo.
Costumo visitar Darjeeling para beber o chá na sua origem.
A casa de Carol fica um pouco distante da cidade, e o caminho, uma espécie de picada pedregosa, atravessa plantações de chá, permite-me avistar os arrozais, no fundo do vale, e contorce-se entre as árvores de cinchona, por onde é muito agradável caminhar. 
Na temporada seca - novembro a maio - a cidade fica repleta de turistas que lotam excursões  pelas encostas  na região montanhosa, e quase sempre visitam o jardim botânico local.
 Também visitam a cidade os indianos enfermos a procura dos sanatórios afamados.
O chá como produto sempre teve  elevada  importância, para os ingleses e também para certos norte-americanos cujos ancestrais eram  ingleses continentais, repudiados pela política religiosa da ilha britânica .
Lembro-me do papel desempenhado pelo imposto sobre o chá no movimento da independência norte-americana e recordo com certa emoção das narrativas sobre as viagens do Cutty Sark, um Clipper, veleiro de sofisticada construção, recordista de velocidade  em viagens para a Índia e para a China, das quais voltava abarrotado de chá, no tempo exato capaz de conservá-lo para o consumo saboroso: cem dias. 
Pois bem, todo esse envolvimento britânico talvez consiga explicar o nascimento em Darjeeling, em 5 de novembro de 1913,  de certa menina britânica, mais tarde educada em conventos da Inglaterra e do continente europeu,  que tomou o nome civil de Vivian Mary Hartley.
Aos vinte anos, provou sua aptidão para o cinema  atuando em Look Up and Laugh (Cuidado e ria), filme inglês  lançado em 1934.
Contracenou com sir Laurence Olivier em Fire Over England (Fogo sobre a Inglaterra), em 1937 e, sendo ambos, Vivian e Laurence casados com pessoas diferentes, divorciaram-se e casaram entre si  em 1940.
A jovem nascida por entre os arbustos de chá de Darjeeling, cujo codinome artístico era Vivien Leigh, conseguiu alcançar popularidade mundial ao interpretar o papel de mulher corajosa, latifundiária do sul dos Estados Unidos, nos difíceis tempos da Guerra de Secessão: Scarlett O’Hara, em E o Vento Levou, uma produção de Hollywood. 


Por outro lado, foi um prazer percorrer as rodovias paulistas, entre canaviais e laranjais, em busca da operosa cidade de Pirassununga.
A primeira coisa a chamar minha atenção, enquanto esperava para ser atendido por Israel Foguel,  diretor do Teatro Municipal Cacilda Becker foi uma cópia xerográfica da certidão de nascimento de Cacilda Becker Yáconis que aquele intelectual mantém emoldurada, sendo o único quadro a enfeitar as paredes do  aposento.
O segundo acontecimento foi a sensação de vergonha  ao perceber que, após vinte ou trinta leituras minuciosas e anotadas no material que consegui arrolar sobre a atriz, eu nada sabia sobre ela.
O simpático diretor discorreu três ou quatro minutos, e eu já estava perdido num mundo novo, inédito para mim e acredito,  para milhões de brasileiros.
De repente, surgiu uma nova Cacilda, mais uma delas!
Pirassununga não possui altas montanhas em território municipal, certamente nada que se compare ao Everest. 
Ao contrário, as terras baixas abrigam extensos canaviais e laranjais que se perdem no horizonte e são levemente onduladas, semelhantes a um planalto com vocação para alto-mar em dia de calmaria, como se algum telespectador houvesse premido a tecla “pause” de seu equipamento eletrônico, congelando para sempre os imensos vagalhões verde-claros sob o céu azul profundo.
Aliás, céu de brigadeiro, por onde esvoaçam os aviões da “esquadrilha-da-fumaça”, em treinamento das audaciosas manobras cuja fama já ultrapassou as fronteiras nacionais.
Mas ali estava eu, em pleno dia 6 de abril de 1999,  contemplando a certidão de nascimento da atriz e um pouco espantado pela coincidência.
Se viva, naquele dia mesmo Cacilda estaria completando setenta e oito anos!
Em 6 de abril de 1921, na rua Mario Tavares, número 44 - essa rua não consta do mapa moderno da cidade de Pirassununga - exatamente às nove horas e vinte e cinco minutos da manhã, dona Margarida Risé, parteira, comentou com dona Alzira Leonor Becker:- “É menina!”
Depois cobrou trinta mil réis pelos serviços e foi embora.

No entanto, a azáfama que vinha do salão do palco lembrou-me de que eu estava sendo indelicado.
Afinal, o diretor do teatro ultimava os preparativos para a apresentação, logo mais à noite, da  peça A Falecida, em continuidade à semana  de comemorações do evento 1969-1999, Trinta anos sem Cacilda com que Pirassununga homenageava a artista.
Despedi-me e corri à Biblioteca Municipal onde encontrei um volume da História do Nosso Teatro, do mesmo diretor Israel Foguel, e passei o resto do dia lendo e relendo as páginas que começavam a revelar, para mim, um universo inédito de fracassos e triunfos,  desamores e amores, pobrezas e talentos fascinantes.
No fim do dia despedi-me de Pirassununga e voltei a percorrer as estradas por entre laranjas e  grandes espaços plantados de cana de açúcar, dourados pela luz do sol poente.


Porém o que ou quem uniria a menina nascida e crescida nos caminhos  das plantações  de chá à outra menina crescida entre laranjais e cana-de-açúcar?
Pergunto e imediatamente respondo: Tennessee Williams
O autor de A Streetcar  Named Desire, novela que no filme de Vivien Leigh tomou o nome de  Uma rua chamada pecado.

Uma Rua Chamada Pecado (A Streetcar Named Desire), filme dirigido por Elia Kazan. Intérpretes: Vivien Leigh, Marlon Brando, Kim Hunter, Karl Maden

Tennessee Williams era certamente autor conhecido das nossas platéias dos velhos tempos: O Anjo de PedraGata em Teto de Zinco Quente foram  as últimas das suas quatro grandes peças a serem representadas em São Paulo, que já vira  À Margem da Vida e Uma Rua Chamada Pecado.

À Margem da Vida foi levada a cena no TBC no final de 1948, pelo grupo Sociedade de Amadores Ingleses.
 Anjo de Pedra (Summer  and  Smoke) : a cenografia exigia a estátua de um anjo de pedra, numa postura graciosa e asas erquidas. Dai saiu o título da peça Anjo de Pedra.

 Cacilda Becker foi escolhida para interpretar Alma Winemiller em Anjo de Pedra. Uma mulher que se aproximava da concepção de Blanche Dubois em Uma Rua Chamada Pecado, em cuja interpretação Vivien Leigh, no cinema,  daria o melhor de si.
E recordo  das estupendas atuações das duas atrizes, Vivien Leigh no papel de Blanche Dubois, em A Streetcar Named Desire e Cacilda Becker não só como Maggie, em Gata em Teto de Zinco Quente, mas também  criando a conturbada Alma Winemiller,  em  Anjo de Pedra.
Tarefas difíceis, nas quais era preciso superatuar.
Isto é, forçar a patologia das personagens até além do limite do razoável.
É além desse limite que se situam as singularidades de Blanche Dubois,  Alma Winemiller  e Maggie.
A respeito da interpretação de Maggie, Regina Helena comentou em sua coluna da A Gazeta: “Há muito tempo não viamos Cacilda Becker e Ziembinski tão bem (...) Cacilda foi a mulher quase anormal, ferina, agitada, nervos à flor da pele que Tennessee Williams imaginou(...)”
De que maneira Regina Helena conseguiu descobrir o que Tennessee Willians havia imaginado?
Não sei dizer.
Porém posso  afirmar que Tennesse Willians era obcecado por certa figura feminina, que era sempre a mesma sob disfarces diferentes: Laura, Blanche Dubois, Alma Winemiller, Serafina, Maggie, Alexandra del Lago, Amanda Wingfield...

As interpretações de Vivian Leigh são de fácil acompanhamento, pois a filmografia da estrela não é longa, apenas vinte filmes, dos quais dezesseis deles são encontrados em vídeo, englobando, além de E O Vento Levou (Gone With The Wind),  preciosidades como A Ponte de Waterloo   (Waterloo Bridge), Lady Hamilton, A Divina Dama (That Hamilton Woman)Ana Karenina (Anna Karenina), na filmagem de 1948. (A primeira versão falada desse filme data de 1935, e nela Greta Garbo desempenhou o papel-título.)
Mas o crème de la crème é sem duvida  Uma Rua Chamada Pecado (A Streetcar  Named Desire), e sugiro a qualquer pessoa que se interesse pelo cinema e pelo teatro a agradável tarefa de assistir a atuação de Vivien Leigh interpretando Blanche Dubois.
No início Blanche Dubois parece falsa, exagerada nas atitudes, inconseqüente, num estilo de atuar até mesmo fora-de-moda.
Aos poucos aquela personalidade se vai firmando como autêntica e aparece a mansa loucura de quem busca recriar um mundo perdido ...ou inexistente .. ou verdadeiro e sufocante? enfim, alugue o filme e assista.
 Já Cacilda Becker mostrou seu trabalho no teatro, um pouco na televisão; em cinema só deixou dois filmes, Luz dos Meus Olhos  e  Floradas na Serra.
Tanto Cacilda Becker como Vivian Leigh foram  mulheres aparentemente frágeis, mas ambas desenvolveram suas carreiras ao longo de trinta anos de profissão e morreram relativamente jovens.
Porém com Woody Allen e Cate Blanchett conseguiram lugar em nossa modesta crônica?  Bem ao lado de Vivian Leigh, Cacilda Becker e Tennesse Williams?
Certamente foi neste caloroso domingo de 9 de fevereiro de 2014.
A tarde já ia morrendo quando coloquei um DVD, displicentemente, sem ao menos verificar o título.
Com um olho no gato e outro no canário eu conversava com minha mulher e dedicava um pouco de atenção à ação que começava na telinha.
Subitamente, a telinha capturou todo o meu espanto.
Aquela loira que descia do avião e infernizava sua eventual companheira de viagem com relatos surpreendentes da sua vida sexual, era uma velha conhecida!
Trinta segundos depois a identidade se revelou em minha mente: Blanche Dubois! Jasmine, na releitura de Woody Allen da famosa peça de Tennesse Williams.
E Blue Jasmine é um filme que mostra exatamente essa releitura.
Porém o filme fala por si mesmo e o espectador não precisa ser tão velho como eu, que segui a obra comparando mentalmente com as cenas originais da obra cinematográfica de Elia Kazan (Uma Rua Chamada Pecado  - A Streetcar Named Desire -, filme dirigido por Elia Kazan. Intérpretes: Vivien Leigh, Marlon Brando, Kim Hunter, Karl Maden).
Após apreciar  Blue Jasmim, o espectador mais insone poderá conseguir, na Internet, a versão de Elia Kazan, deliciar-se com as interpretações de Marlon Brando e principalmente de Vivian Leight.
Perceberá então que toda a estrutura dramática das obras, tanto da versão original de Tennesse Williams como da releitura de Woody Allen conservaram a controversa personalidade de Blanche/Jasmine como a grande atração do drama.
É certo que o estudo completo demandará muitas horas e certamente levará às outras obras conhecidas de Tennesse Williams no Brasil e à Cacilda Becker, talvez a maior atriz brasileira envolvida nas angustiadas personagens femininas criadas pelo autor.

 Para saber muito mais:
Fernandes, Nanci e Vargas, Maria Thereza - Uma Atriz: Cacilda Becker Ed. Perspectiva, 1983.
Guzik, Alberto - TBC: Cronica de um sonho - Ed. Perspectiva 1986.
Coutinho, Larry – Cacilda, outras criaturas e criações- Original em fase final de redação. 2013.
Blue Jasmine, filme. Alec Baldwin, Cate Blanchett, Louis C.K. Bobby  CAnnavale, Andrew Dice Clay, Sally Hawkins, Peter Sarsgaard. Michel Stulbarg. Direção e roteiro de Woody Allen

NOTAS:

Tennesse Willians   (1911-1983) foi mais interferente na cultura brasileira do que pode parecer à primeira vista.
Nas décadas de 40, 50 e 60 apareceram,  na cidade de São Paulo, filmes, peças e livros  provindos da brilhante pena do dramaturgo.
Temas algumas vezes polêmicos e de profundo interesse para a classe média temerosa.
Os personagens femininos eram marcantes.
Aliando a construção literária ao talento de atrizes predestinadas, resultaram em prêmios de muita importância atribuidos às performaces.
Pela ordem cronológica:
1944 - The Glass Menagerie - Recebeu, em português as denominações: Algemas de Cristal, e À Margem da Vida. Foram rodados três filmes diferentes, em 1950, 1973 e 1987. À Margem da Vida foi  levada a cena no TBC no final de 1948, pelo grupo Sociedade de Amadores Ingleses, antecedendo  em quase dois anos a apresentação do filme.
1947 - A Streetcar Named Desire - em português: Um Bonde Chamado Desejo; ou Uma Rua Chamada Pecado. Vivien Leigh, Marlon Brando, Kim Hunter, Carl Maden. Todos receberam o Oscar, menos Marlon Brando. Filme de 1951 e foram montadas inumeras peças teatrais.
1948 - Summer and Smoke - em português Anjo de Pedra. Filme de 1961, com Geraldine Page. A apresentação no Teatro Brasileiro de Comédia  antecedeu ao filme, pois a peça estreou em São Paulo em 16 de agosto de 1950. Cacilda Beker como Alma Winemiller.
1955 - The Rose Tattoo - em português A Rosa Tatuada. Filme de 1955. Intérprete: Ana Magnani (Oscar pelo papel).
1955 - Cat on a Hot Tin Roof - em português Gata em Teto de Zinco Quente. Filme de 1958. Elizabeth Taylor (Oscar).  A versão teatral estreou em São Paulo, no TBC, em 18 de outubro de 1956. Cacilda Beker no papel de Maggie Pollit ( a gata). Ainda aqui a peça teatral apresentada em São Paulo antecedeu ao filme.
1956 - Baby Doll - Tennesssee Willians escreveu apenas o argumento. Filme com a protagonista Carol Baker, que ficou marcada no papel. Escândalo razoável para a época. Baby Doll era uma camisolinha curta e diáfana, escandalosa por si mesma.
1958 - Suddenly, Last Summer - em português De Repente no Último Verão . Filme de 1959 - Katharine Hepburn.
1959 - Sweet Bird of Youth - em português  Doce Pássaro da Juventude.  Filme de 1962, com Paul Newman.
1961 - The Night of the Iguana - em português A noite do Iguana . Filme de 1964, com Ava Gardner. Em São Paulo, no TCB - Teatro Cacilda Beker, estreou em 5 de março de 1964. Cacilda Beker no papel de Ana Jelkes, e Olga Navarro como Maxine. (TCB - Teatro Cacilda Beker. Cacilda, Walmor Chagas e Ziembinski, que saíram do TBC e montaram a sociedade)

Larry Coutinho


domingo, 18 de agosto de 2013

Cinemas esquecidos - Crônicas da Cidade Plural.

                                Cine Belas Artes -   Rua da Consolação

Quando eu era menino, nas décadas de quarenta e cinqüenta, papai projetava filmes em casa, abrindo para a família o fabuloso universo da imagem em movimento e desvendando o mundo da fantasia.Primeiro papai comprou um projetor Kodak que mostrava filmes mudos na tela. Em geral eram desenhos do Walt Disney. Depois ele comprou um projetor Bell & Howell, com capacidade para filmes sonoros de 16 milímetros.

E as sessões de cinema doméstico adquiriram novo sabor, sepultando para sempre as novelas radiofônicas, as engraçadas histórias do Nhô Totico, e as leituras familiares dos livros de Alexandre Dumas.  Os três mosqueteiros, Vinte anos depois, O visconde de Bragelone...
Já era a imagem pegando pesado sobre a literatura e o radio.
As grandes produções de Hollywood podiam ser alugadas facilmente.
Entusiasmado, meu pai adquiriu uma filmadora Paillard Bolex, pensando talvez em realizar os seus próprios filmes.
Tirante as poucas imagens de férias em Poços de Caldas, a família na chácara do doutor Pacheco, o almoço na casa da minha-avó-que-morava-em-Niterói, nada mais foi feito, indicando que fazer cinema era bem mais complicado do que parecia.
O projetor de filmes também era utilizado para sessões secretas, vedadas aos menores.
Curioso, certa vez meu irmão espiou pelo buraco da fechadura da porta trancada e revelou assustado:
- Tem mulher pelada!
É claro que existiam os cinemas, que nós também freqüentávamos.
Cinemas? Quais cinemas e onde foram parar?

No primeiro volume do trabalho Memória Urbana, a Grande São Paulo até 1940, publicação que uniu o Arquivo do Estado, a Emplasa e a Imprensa Oficial, existem diversos depoimentos de imigrantes.
O ítalo-brasileiro Rômulo Carraro, entre outros interessantes assuntos, tratou de alguns cinemas existentes na cidade de São Paulo dos quais anteriormente nunca ouvi ninguém mencionar os nomes.
Eis alguns trechos da entrevista:
“(...) Onde hoje é o Buraco do Adhemar, havia o Cine Central e eu ia muito lá assistir o Tom Mix. No Martinelli havia o cine São Bento, que era  todo acarpetado de vermelho, o cinema mais sofisticado de São Paulo. Além desses, havia muitos outros, inclusive na praça João Mendes (...)”
 “(...) Mas o outro encontro da rapaziada era o cinema: o Cinema Mafalda, por exemplo, tinha sala de espera com orquestra para entreter as pessoas. Primeiro, havia o footing  na rua e depois todos iam ao cinema. E como os filmes eram mudos, havia as orquestras. Os filmes mais antigos eram feitos com o som sincronizado: o barulho do mar, por exemplo, era feito por um tambor cheio de pedregulhos que rodava; o som dos cavalos andando era feito por dois meio cocos que batiam na mesa. O primeiro filme falado que assisti foi “Sombra e Glória”,  falado em espanhol. E era acompanhado por disco. Acontece que muitas vezes o som não acompanhava o filme. Todos os dias passava um filme novo. E distribuíam, de casa em casa, com banda de música e tudo, o programa dos filmes que iam projetar. Era tempo de Carlitos, do Gordo e o Magro, do Chico Bóia (...)”
Quem não lembra do Charles Chaplin e da sua criação, “The Tramp”, o vagabundo genial, com as calças largas na cintura, botas e um chapéu ridiculamente pequeno? E do gordo e do magro, autores de formidáveis trapalhadas? Menos um pouco do Chico Bóia, eu reconheço, o nome brasileiro do personagem de Roscoe Conkling Arbuckle (1887-1933), o Fatty Arbuckle, que no filme da Keystone “A noise from the deep” mostrou a primeira torta na cara do cinema mundial. E nos dois filmes em que ele apareceu contracenando com Buster Keaton, o que nunca sorria: “Out West” (1918), e “O garoto açougueiro” (1917).
O “Martinelli” citado era naturalmente o edifício Martinelli, o marco da explosão industrial da cidade de São Paulo. Ele foi o maior edifício da América Latina, com vinte e cinco andares, cento e cinco metros e altura, duas mil cento e trinta e três janelas...
Entretanto a menção feita ao Cine São Bento parece equivocada.
Em que pese a boa vontade e a memória do senhor Rômulo Carraro, que situou o Central Cinema exatamente onde ele ficava, isto é, “ - Onde hoje  é o Buraco do Adhemar”, e eu acrescento,  no prédio da Companhia Antarctica Paulista, equivocou-se e confundiu  o Cinema São Bento com   o  Cinema Rosário.
Ao tratar do Martinelli em abril de 1971 a extinta Revista Realidade fala no Hotel São Bento e no Cinema Rosário, com entrada pela Avenida São João, e diz que foi inaugurado pelo Príncipe de Gales.
O Rosário sim ficava no prédio Martinelli, e era um dos cinemas mais luxuosos da cidade. O primeiro a possuir poltronas almofadadas e estofadas com couro. 
Todas as sextas feiras o Rosário exibia filme exclusivo da Metro, e era freqüentado  por figuras da alta sociedade paulista.
O Rosário não foi inaugurado pelo Príncipe de Gales, mas sim por Pires do Rio, Prefeito de São Paulo, em dois de setembro de 1929. Com direito a orquestra regida pelo maestro Gabriel Migliori e o filme “O Pagão”, estrelado por Ramon Navarro.
Talvez houvesse uma entrada pela Avenida São João, mas o endereço oficial do Cinema Rosário era Rua São Bento, 397.
O Cinema São Bento ficava na Rua São Bento, número 245.
Possivelmente o engano do senhor Rômulo Carraro decorreu da proximidade entre os dois cinemas.
O Cinema Rosário foi desativado no ano de 1945.
O também citado Cinema Mafalda, inaugurado em 1912, ficava na Avenida Rangel Pestana.

O Bijou Theatre, ainda não citado por ninguém, inaugurado em dezessete de novembro de 1907, talvez tenha sido o primeiro cinema de São Paulo.
Ficava na Rua de São João (atual Avenida São João).
Digo que o Bijou Theatre talvez tenha sido o primeiro cinema da cidade porque não posso esquecer as chamadas “câmaras óticas para divertimento público”, instaladas em São Paulo desde 1834, embora até 1897 o cinema não existisse em nenhum lugar do mundo, nem como indústria, nem como arte.
Entretanto, no final do século dezenove, o Salão Progredior fazia apresentações das “lanternas mágicas”, pequenos comerciantes compraram aparelhos de projeção cinematográfica e as “fitas” eram apresentadas em espetáculos de variedades. 
Volta e meia alguém alugava um precário salão e abria as bilheterias para exibições de pequenas “fitas”. 
Em 1898, em São Paulo, o Theatro Apolo, que de tempos em tempos descia à condição de cinematógrapho, apresentou a “Cia. Variedades Francesas do ilusionista Faure Nicolay”, uma espécie de cinema, em sessões que as más condições do sistema elétrico público costumavam interromper.
Somente com a construção da barragem no rio Tietê, em Santana do Parnaiba, e a instalação da primeira usina hidroelétrica é que foi garantida a continuidade das sessões cinematogáphicas, que começaram a se consolidar  como forma de entretenimento das classes sociais mais baixas.
Nossa reserva com relação ao pioneirismo cinematográfico do Bijou Theatre encontra apoio em certo texto da Emplasa, que afirma: “-Na Rua Boa Vista foi aberto o primitivo Teatro Santana, onde funcionou o primeiro cinema de São Paulo. O segundo - o Íris - funcionou na Rua Quinze de Novembro, cuja projeção era feita em tela molhada para maior nitidez da imagem.”.

Segundo Sylvio Floreal, no seu Ronda da meia-noite - vícios, misérias e esplendores da cidade de São Paulo - ninguém conseguia resistir à curiosidade despertada pelo cinema.
Entretanto, comenta Floreal:
“Ao lado de uma série de benefícios salutares, de incontáveis utilidades, que este gênero de diversões traz consigo, há uma infinidade de males e desvios morais inevitáveis, que exerce no ânimo popular, escancarado a toda a coisa abominável, um despotismo férreo.”
Sylvio Floreal aborda um subproduto, por assim dizer, da sessão cinematográfica vespertina, na cidade de São Paulo.
A bolinação no cinema.
Enquanto as estrelas davam beijos delirantes na tela, o “espectador casquilho, dotado de safardanices”, ia ao cinema e desenvolvia uma piratagem digitálica sem dó nem piedade, sobre certas fulanas do sexo mole, muito amigas das tais massagens feitas no escuro... Começava com umas encostadelas furtivas e ampliava a ação das mãos. Se houvesse estrilo, o bolinador mudava de lugar e recomeçava a prática com outra mulher.
E ficava sempre a questão: sabendo da bolina quase certa, porque as mulheres iam sozinhas ao cinema?

Além dos bolinadores, despontavam sempre as vozes anônimas, perdidas na escuridão das salas.
“Cochichos, meias-frases, palavras intencionais, que escondem obscenidades, são ditos por certos tipos inconvenientes, comentadores baratos que, em pleno recinto atulhado de espectadores, dão classicamente a prova mais berrante e ridícula da sua formidável burrice.”
E segue Floreal, falando da importância adquirida pelo cinema no ócio paulistano:
“Atualmente, São Paulo, desde a plebe que se desunha no trabalho afanosamente, até as classes que brunem ociosamente as unhas, morre de amores por dois gêneros de passatempo diametralmente opostos - cinema e futebol (...)”


Até a véspera espectador das peças teatrais, o freqüentador do cinema precisou aprender a nova linguagem.
Por exemplo, o tenebroso caso das cabeças decepadas.
Coisa jamais vista no teatro!
Para compreender o caso um pouco mais profundamente, vamos lembrar o José Guadalupe Posadas.
Posadas foi um dos mais célebres ilustradores dos corridos mexicanos, uma forma de poesia semelhante aos livretos de cordel do nordeste brasileiro.
Nos pequenos espaços destinados à ilustração, Posadas conseguia colocar bailes inteiros, correrias, perseguições em cavalos, e inúmeros outros temas referentes ao cotidiano das regiões mexicanas referidas nos textos.
As ilustrações de Posadas eram repletas de seres humanos, porém... todos eles na forma de esqueletos ou caveiras!
Quando ouvi falar nas cabeças decepadas que apareciam nos filmes de cinema do início do século vinte e soube a respeito das ilustrações de Posadas, procurei uma explicação elucidativa e mergulhei até ao fundo na obra de Massimo Canevacci, chamada Antropologia da comunicação visual.

Quanto às cabeças decepadas, nada de alarme, leitor amigo. Era o close-up.
Para quem não está ligando o nome à pessoa, é aquele momento em que na tela surge apenas a cabeça do ator ou da atriz, separada do corpo.
Acostumados com o corpo inteiro do ator no palco, ainda espectadores de teatro, os freqüentadores dos cinemas, no início do século vinte reagiam desfavoravelmente diante do close-up.
Era o momento em que o rosto passava a exercer importante função dramática.
Devia refletir medo, amor, alegria, terror ou qualquer outra expressão exigida pelo roteiro do filme.
Na medida em que o ator ou a atriz estavam tentando demonstrar alguns sentimentos humanos possíveis, na verdade criavam a máscara apropriada.
Agora, a melhor parte: a máscara provoca uma inquietude e uma fascinação que envolve praticamente toda a humanidade.
Não acostumados com a necessidade de interagir com a máscara, os espectadores de cinema daquele tempo sentiam enorme desconforto e às vezes reagiam com violência.
Sem dúvida atrás da máscara de quem a punha ou criava, estava certamente escondido um segredo.
Então nosso amigo Posadas em suas ilustrações nas folhas soltas dos corridos mexicanos, nos desvendou o mistério: atrás da máscara, lá no fundo, sempre está a caveira!
Aberto o caminho podemos seguir adiante.
Walter Benjamim, outro estudioso dos fenômenos humanos foi além.
Para ele, essa caveira-máscara é o rosto rígido da natureza
Afirma que é o valor escultórico que permanece, excluídos todos os sentimentos humanos que se foram com a carne dissipada.
Ou seja, o close-up, a cabeça decepada, é o momento em que a carne existente sobre o rosto rígido da natureza (a caveira) é capaz de expressar os sentimentos humanos, sendo a caveira a expressão zero.  
Apesar dos apupos e reclamações em voz alta dos espectadores do início do século vinte.
Os “Cochichos, meias-frases, palavras intencionais, que escondem obscenidades...” apontados pelo nosso bom Sylvio Floreal.

     A obra de Sylvio Floreal ainda nos brinda com uma fotografia do interior do Salão High-Life, por ocasião da primeira exibição das fitas do Kinema-Color, em 1913.
Cadeiras comuns e estreitas acolhendo multidão apinhada.
Mulheres ampliando suas figuras por meio de enormes chapéus tipo bolos-de-aniversário.
Homens usando palhetas, chapéus de feltro e até mesmo cartolas, infernizando a vida dos espectadores das fileiras posteriores.
E um lotado balcão em forma de U, situado à-meia-nau...


 O rio Tietê, com suas glórias e miséria, marcou o destino de Santana do Parnaiba desde muito cedo.
A montante da cidade havia uma queda d’água chamada de Cachoeira do Inferno.
Ali, no começo do século passado, entre 1900 e 1901, os engenheiros ingleses da The São Paulo Railway, Light and Power Limited, com o auxílio de 750 operários, 70 carroças, 100 burros e 400 bois de carro iniciaram a construção da barragem. 
O Brasil era governado por Campos Sales e à barragem seguiu-se a construção da Usina Hidroelétrica do Parnaiba.
Anos depois a barragem, que media 19 metros de altura e 275 metros de extensão, recebeu o nome de Edgard de Souza. 
As águas movimentavam as turbinas da primeira hidroelétrica da Light no Brasil, a maior construída até então.
Poucos anos depois a Usina já se revelava pequena em função da demanda da Capital paulista.
Foi ampliada em 1912, ano em que começou a funcionar a usina termelétrica a vapor, na Rua Paula Souza, em São Paulo.
A energia elétrica gerada em Santana do Parnaiba permitiu, em 6 de agosto de 1909, a exibição, no cine Bijou de São Paulo, de documentário produzido pela empresa Serrador e mostrando a festa de São Norberto, realizada em Pirapora do Bom Jesus alguns dias antes - 6 de junho de 1909, domingo - com a presença do Cardeal Arcoverde, dos bispos de Niterói, Campinas e Botucatu.
Pela primeira vez em imagens aparecia a igreja matriz de Pirapora em todo o seu esplendor.
Com a garantia do fornecimento mais ou menos regular da eletricidade, alguns teatros passaram a funcionar como locais de apresentação de “fitas”.
Desde 1908 o comerciante Francisco Serrador utilizava o teatro Eldorado como cinema.
O cine Bijou instalou-se no antigo Café Éden Teatro.
Outros teatros transformados em cinema foram o Paris Théatre, o Teatro Popular...
Muitas salas especialmente destinadas ao cinema foram aparecendo: no centro, os cines Avenida, Popular, Radium, São João, Odeon, High Life, Paulista, Palace,  e nos bairros, o Cine Barra Funda, Cine Barracão, o D. Pedro e o Ipiranga, no Ipiranga, e o cine Barra Funda, o Piratininga e  o Íris, no Brás.
No fim dos anos dez surgiram outros cinemas: o Cine Teatro Espéria, o Cine Éden, o Cine Guarani, o Cine Radium, na rua São Bento, o Cine Recreio, o Cine Bresser, o Cine Brás-Bijou, na Rangel Pestana, o Cinema Belém, o Cine Brás-Politeama, o Cinema São Pedro, na Barra Funda, os cinemas Ambrósio e Edilson, o Cine Pavilhão...
Mais adiante neste blogue tratarei do documentário cinematográfico presente nas primeiras décadas do século XX, e sua importância para a divulgação dos fatos acontecidos em Pirapora do Bom Jesus e Santana do Parnaiba.
Sigo tratando do reino das águas.
A Usina Hidroelétrica do Parnaiba pedia águas abundantes e regulares. 
Para garantir o bom funcionamento depois das obras de ampliação, foi construída a represa de Guarapiranga, em São Paulo.
Em 1925 foi construída a Usina Hidroelétrica de Rasgão, entre Pirapora e Cabreúva - ano em que entrou em operação.
Em 1926 entrou em operação a geradora da Usina de Cubatão (Usina Henry Borden).
Na década de 30, para aumentar a capacidade da Usina Henry Borden, os engenheiros  promoveram a retificação e a reversão de curso do rio Pinheiros, em São Paulo, e a formação do reservatório Billings.


Certo filme lançado em exibição pelo Cine República, em 10 de outubro de 1924, produção da Rossi Filme, era cine-jornal que sumariamente apresentava - Na terra de Itu - Paisagens de Pirapora - O batalhão Hilário de Freitas - Aspectos da grande corrida automobilística São Paulo - Ribeirão Preto - Inauguração da Exposição de Estradas de Rodagem. Em 14 de outubro do mesmo ano o Cine República apresentou o documentário sobre a Inauguração da Exposição de Automóveis.
A filmagem da corrida de automóveis entre São Paulo e Ribeirão Preto foi a primeira entre as transmissões esportivas do gênero.
E o cine-jornal, aproveitando a deixa, completou a informação mostrando a evolução das estradas de rodagem do Estado e a inauguração da exposição dos novos automóveis de 1924-1925. 
Aqueles filmes primitivos foram certamente conseqüência do que aconteceu de 1907, em 19 de junho, a bordo do paquete francês Brasil.
Algumas imagens da baía da Guanabara foram filmadas.
Foi o primeiro filme feito no Brasil.

Graças a Santana do Parnaiba a luz elétrica chegou a São Paulo.
O Teatro Sant’Anna antes servido por bicos de gás trocou de sistema, e em 21 de abril de 1900 mostrou a casa toda iluminada por energia elétrica.
Foram colocadas quinhentas lâmpadas em todo o edifício

Depois de dois anos de atividade, o Bijou Theatre apresentou uma novidade: o cinematógrapho cantante.
Em São Paulo entre 28 ou 29 de julho de 1909 deu-se a estréia da nova técnica.
Ainda não era o filme falado.
Em 1909 o filme de cinema continuava mudo como dantes, porém, atrás da tela colocava-se a orquestra e os cantores, que acompanhavam a viva voz o transcorrer da ação cinematográfica.
O cinematógrapho cantante competia com as apresentações teatrais por ser o ingresso consideravelmente mais barato.
A primeira seção do cinematógrapho cantante deu-se, salvo erro ou omissão, no Cine Bijou, onde a artista dona Claudina Montenegro e o barítono Pepe mostraram suas belas vozes.
Existe registro da sessão do dia 29 de julho, com a apresentação da canção “Café de Puerto Rico”, que sucedeu à sessão do dia 28, sobre a qual nada sei.
O Bijou Theatre durou apenas seis ou sete anos e acabou em 1914 quando o prédio foi demolido.
E o cinema sonoro, falado, só chegou depois (The Jazz Singer, filme de 1927)
O cinematógrapho cantante teve o mérito de abrir  para os paulistanos uma série bem grande de canções estrangeiras que dominaram o panorama musical da cidade por bom tempo.
Até mesmo neste abençoado ano de 2012 alguns tenores apresentam em seus espetáculos trechos musicais, árias e canções que aqui pela terrinha tiveram suas primeiras apresentações nas seções de cinema cantante.
Alguns registros: Ci-ri-bi-ri-bin, Torna a Sorrento, a Canção da Viuva Alegre... e  segue uma pequena relação de canções apresentadas na época.
A modalidade cinematógrapho cantante logo foi adotada por dois outros cinemas: o Radium e o Smart, sobre os quais sei apenas o que consta nos registros abaixo:

“A viuva alegre” (I).
Filme: filme brasileiro em 3 atos.
Intérpretes: cantores da Companhia Lahoz, acompanhada pela excelente orquestra dirigida pelo professor Gonçalves.
Lançamento e programação: São Paulo. (Cine) Radium, de 2 a 8,12,13 e 15-08-09; 07-09-09; 17-10-09; 01-10-10, 25 e 26-07-10; 24-10-10.  (Cine) Smart, 25-04-12.
                                                -o-
“A viúva alegre” (II).
Filme: Cantante. Empresa Serrador.
Intérpretes: Ismênia Mateus, Santucci e Cataldi.
Lançamento e programação: Rio de Janeiro. Cinema Rio Branco. Mais de 300 apresentações. Posteriormente, “tournée” em São Paulo. Politeama Concerto, 30 e 31-12-09. Bijou Theatre, 11,15 e 16-01-10.
Comentário: “Valsa da viuva alegre” (“Die lustig witwe walzer”) (valsa), Franz Lehar
Foi a música de carnaval mais cantada em 1910, adaptada ao ritmo de marcha

Eis a relação de algumas canções apresentadas pelos cinematographos cantantes em São Paulo, em 1909: “Café de Puerto Rico” - “Cavalaria rusticana” - “Chateau Margaux” -  “Ci-ri-bi-ri-bi” - “Crispino e La Comare” - “Dueto da Mascote”  - “Dueto de amor da viúva alegre” -  “Duo de la africana” - “Duo de los patos” - “El barberillo de Lavapiés” -  “Guitarrico” - “L’adieu du matin” - “La educanda di Sorrento” -  “La farfala” - “Las sapatillas” -  “Legenda vallaça” - “Os aventureiros” - “Racundite harmonie” - “Torna a Sorrento”  - “Tui tui”
Eram canções populares, árias de operas e trechos de operetas populares na época.

Sei que tudo isso pode parecer distante  e irreal, uma vez que atualmente basta um simples DVD  colocado displicentemente  na maquina apropriada para assistirmos em som estereofônico, a cores, em 3D, qualquer filme que assim seja produzido pela industria cinematográfica, sem sair de casa e acomodados em nossas poltronas favoritas.
E sei que aguardamos a chegada dos filmes holográficos, momento em que a ação será toda no espaço da nossa sala, sem telas...
Porém estamos a tratar dos velhos cinemas de São Paulo:
Cinematographico Migon, inaugurado em 1908, ficava no largo do Mercado, próximo à atual Rua Brigadeiro Tobias.
Atos do Liceu (padres salesianos), inaugurado em 1909. Na Alameda Nothmann, nos Campos Elíseos. Utilizava nas projeções um cinematógrapho aperfeiçoado Pathé.
Polytheama Concerto - apresentava espetáculos, musica e cinema. Comprado em 1911 por Francisco Serrador. Depois mudou o nome para Polytheama Paulista. Situava-se na Rua de São João com a rua Anhangabaú. Destruído por incêndio em 1914.

Para quem gosta de tudo bem explicadinho, nos mínimos detalhes, informo que o Polytheama exibiu filmes com os seguintes aparelhos:
-Biographo Americano (1902);
-Grand Cinématograph Franco-Brèsilien, da empresa Didier - cinema ambulante (1908);
- Cinematógrapho cantante (1909);
-Cinemacantante de Edison (1914);
-Kinetophone (1914);
-Cinematógrafo Warwick.

Follies Bergère - um café-concerto que eventualmente passava filmes.  Ladeira Santa Ifigênia, 7. Inaugurado em 3 de novembro de 1914.
Cine Alhambra. Inaugurado em vinte e um de julho de 1928. Rua Direita, 33 (atual 223).

Na década de cinqüenta ir ao cinema exigia certa preparação.
Para os homens o traje era terno completo e gravata.
As mulheres quase sempre entravam acompanhadas. Alguns cinemas não permitiam mulheres desacompanhadas.
Os cinemas se tornaram  grandes e confortáveis.
O Metro, na Avenida São João, tinha o Pullman, um espaço reservado no primeiro andar, onde se pagava mais caro.
Outros cinemas elegantes foram o Ipiranga, o Marabá e o Marrocos.
Ainda no centro, as salas do Alhambra, na Rua Direita, do Cine República, do Coral, do Olido, do Paissandu, que eram luxuosas, e do Cine Santa Helena, na Praça da Sé e do Recreio, na Quintino Bocaiuva, que não exibiam tanto luxo, mas atraiam grande público.
As noites dos anos cinqüenta começavam pelos cinemas e bomboniéres,  passavam pelas livrarias, casas de discos, leiterias, restaurantes e podiam terminar em boates  ou em bares.

Vistos os primórdios, fui ao Arquivo do Estado pesquisar, nos jornais, os nomes de alguns dos cinemas existentes no centro da cidade de São Paulo entre 1950 e 1970, que muitos consideram ser talvez a época dourada dos remanescentes do grande sonho cinematográfico.
 O resultado está na lista abaixo:

Apolo - Rua Conselheiro Nébias.
Arizona - Avenida Rio Branco.
Art Palácio - na Avenida São João. Largo do Paissandu.
Atlas - Avenida Rio Branco, 300.
Áurea - Rua Aurora, 522
Barão - Rua Barão de Itapetininga.
Boulevard - Rua Antônio de Godoy, 83.
Broadway - Avenida São João.
Cairo - Rua Formosa, 401.
Centenário - Avenida Guilherme Cotching.
Cinemundi  -  Praça da Sé, 259.
Climax - Rua Espírito Santo, 330.
Cometa - Rua Aurora, 541.
Comodoro - Avenida São João, 1462.
Coral - Rua 7 de Abril  - filmes de arte (europeus) de propriedade de Dante Ancona Lopes, mais tarde ele abriria o cine Belas Artes, fechado recentemente.
Éden - Avenida São João, 1140.
Esplanada - Praça Julio de Mesquita, 33
Europa - Rua Joaquim Gustavo, 40.
Gazeta - Avenida Paulista.
Ipiranga - Avenida Ipiranga, 786. Havia o Pullman, uma espécie de confortável mezanino. Subia-se de elevador.
Itamarati - Rua Barão de Tatuí, 804.
Jóia - Praça Carlos Gomes, 82.
Jussara -  na Rua Dom José de Barros, 306.
Líder - Rua Conselheiro Nébias, 197.
Los Angeles - Rua Aurora, 501.
Marabá - Avenida Ipiranga, 757.
Marrocos - Rua Dom José de Barros, quase ao lado do antigo                                 Quartel-General do segundo Exército. Entrada monumental.
Metro - na Avenida São João, 801.
Metrópole - Praça Dom José Gaspar, 134.
Miami - Praça Marechal Deodoro, 340.
Moderno - Rua da Mooca, 2224.
Mônaco - Avenida Rio Branco, 61.
Monark - na Avenida Brigadeiro Luís Antônio.
Nikkatsu - Rua São Joaquim, 129
Nipon - Rua Santa Luzia, 84.
Niterói - Rua Galvão Bueno, 102.
Normandie - na Avenida Rio Branco, 425.
Oásis - Praça Julio Mesquita, 117.
Odeon - com três salas de projeção: Sala Verde, Sala Vermelha, Sala Azul
Olido - Avenida São João.
Ouro - Largo Paissandu, 138.
Paissandu - Largo Paissandu, 60
Pedro II - Rua dos Timbiras, 144
Pigale - Largo do Arouche, 426.
Radar - Avenida Santo Amaro, 525.
Regência - Rua Augusta, 973.
Regina - Avenida São João, 1140.
República - Praça da República, 365.
Rio Branco - Avenida Rio Branco, 500.
Rivoli - Avenida São João, 587.
Saci - Avenida São João, 425.
Santa Helena - na Praça da Sé, 261 (antigo teatro). O edifício foi implodido para a construção da estação Sé do Metrô.
Scala - Rua Aurora, 720.
Windsor - Avenida Ipiranga, 974, esquina da Rua Amador Bueno.

Eram cinemas que anunciavam os filmes nos jornais.
O cine Broadway, que não existia mais na época da nossa pesquisa, teve o nome ligado a diversos assuntos fora do meio cinematográfico.
Pertencia à família César dos Reis, que também era proprietária do castelinho da Rua Apa.
Um dos irmãos decidiu transformar o cinema em pista de patinação, foi impedido pela mãe e pelo irmão, e cometeu duplo assassinato e o suicídio, na versão apresentada pela polícia.
O Cine Teatro Broadway inaugurou suas atividades em  1934 e a exemplo do Palais de Glacê, que existia em Buenos Aires desde 1910, o Broadway tinha no teto uma grande cúpula de vidro.
Era um grande espaço com 1661 assentos, e servia também para outros cometimentos, além do cinema.
Foi o principal lançador de filmes da mexicana Palmex. No início exibia filmes da RKO Radio e da UFA, a exemplo do UFA-Palácio  também na avenida São João, mais tarde Art-Palácio.
Entre 1940 e 1961 o exibidor foi a Companhia Serrador.
Em 1970 o prédio foi demolido.
Outra função desempenhada por alguns cinemas de São Paulo foi a de acolher os astros e estrelas cariocas, cantores e cantoras do rádio, quando vinham atuar em São Paulo.
Cinemas da Avenida Ipiranga e Avenida São João transformavam-se em palco radiofônico da música popular brasileira e de seus grandes nomes.
Assim foram utilizados o Metro, da Avenida São João, e o Art-Palácio, quando ainda era Ufa-Palácio.
Também o cine Broadway serviu e palco para os artistas da era da rádio.
O cine Broadway era grande e acolhia centenas de radio-ouvintes, mas não o suficiente para atender à demanda, e assim as proximidades do cinema, na Avenida São João, ficavam repletas de pessoas que não conseguiam ingresso.

Hoje todos aqueles grandes cinemas são estacionamentos, depósitos ou igrejas, e aqueles cinqüenta e tantos cinemas do centro velho de São Paulo não existem mais.
 É preciso reconhecer que na relação não foram considerados os inúmeros cinemas dos bairros.
  Havia cinemas em todos os bairros, inclusive em Santana, Penha e Pinheiros.
Em 1925 foi instalado o primeiro cinema de Pinheiros, no salão paroquial, ao lado da Igreja Matriz.
  Em 9 de julho de 1927 foi inaugurado  o Cine Pinheiros, na Rua Butantã, e assim por diante.
Para não ficar a melancólica visão de uma cidade que perdeu todos os seus cinemas, é possível trazer alvíssaras, boas notícias, e arejar o ambiente.
Porque os cinemas de São Paulo não desapareceram.
Transformaram-se, e estão pela cidade inteira, em shoppings, cineclubes, algumas salas “de rua”, localizadas no centro, nos bairros e na Grande São Paulo.
O conceito de Grande São Paulo ampliou nos mapas a mancha urbana que já existia de fato, englobando diversos municípios vizinhos e muitos bairros distantes do centro.
Em junho de 2012, munido de paciência e de uma simples máquina de calcular, fiz um levantamento dos centros culturais, salas de cinema e poltronas disponíveis na São Paulo atual.
Entre cineclubes, salas especiais, cinemas de rua (centro e bairros), shoppings e a Grande São Paulo, a população paulistana conta com 68 centros culturais (shoppings e assemelhados), 414 salas de cinema e 79.732 poltronas.
Considerando a média de quatro sessões diárias, as salas de cinema de São Paulo diariamente colocam à disposição do público, 318.928 poltronas.
Ou seja, em que pesem as novelas na TV, os DVD’s, os espetáculos teatrais, as apresentações musicais, o futebol e os eventos especiais, o cinema paulistano ainda mantém seu posto na preferência popular e sustenta a posição com dignidade.  
Confortáveis, inúmeros cinemas estão equipados com ar condicionado e projetores de última geração. 
Outros poucos ainda já fazem projeções em 3D.
Nada mau para a rapaziada que há pouco mais de oitenta anos ia fazer o footing, namorar e assistir o Tom Mix no Cine Mafalda!
Ou então, recuando um pouco no tempo, freqüentava o Salão Progredior para assistir as apresentações das  assombrosas “lanternas mágicas”.

Sugestões para saber muito mais:
-Simões, Inima - “Salas de Cinema de São Paulo”, 1990.
-Araujo, Vicente de Paula - “Salões, circos e cinemas de São Paulo” - Ed. Perspectiva, 1981.
-Santarelli, Atilio - “Cinemas Antigos do Brasil”, Fotoblog.
     -Floreal, Sylvio. “Ronda da meio-noite - vícios, misérias e esplendores da cidade de São Paulo”. São Paulo. Editora Paz e Terra. 2003 (1a. edição em 1925).
    -Bibliografias complementares, especializadas: basta solicitar ao autor por e.mail

Larry Coutinho


Texto parcialmente planejado e executado no leito 5 da Unidade Coronária do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, entre os dias 6 e 10 de julho de 2012.