sábado, 11 de junho de 2011

Por onde anda a fé dos paulistas? - Crônicas da Cidade Plural.




No estado de São Paulo, final do século passado, comecei a fotografar capelinhas de beira de estrada, percorrendo estradas vicinais, caminhos nas periferias das cidades do interior, picadas que morrem em porteiras sempre fechadas de grandes fazendas...
Minhas viagens tornaram-se raras, porém ainda continuo com a mania.
Essas capelinhas são pequenas.
Um ou dois metros quadrados, se tanto.
São utilizados pelas populações locais para a guarda de imagens quebradas de Santos, rosários que pertenceram a parentes já falecidos, crucifixos das mais variadas formas e tamanhos, cruzes provenientes de antigas capelas demolidas ou quebradas em túmulos, imagens impressas de Santos...
Enfim, muita coisa de grande valor devocional pode aparecer nos inventários, se forem minuciosos.
Geralmente fotografo a capelinha como aparece na paisagem, e depois o interior, procurando abranger todo o pio estoque que foi nela depositado.
Às vezes, algumas surpresas...
Em Pirassununga encontrei numa destas capelinhas convivendo harmonicamente com imagens de Nossa Senhora da Aparecida, de Santa Bárbara, de São Sebastião, e crucifixos de diversas formas, a massuda imagem da Escrava Anastácia quase sepultada por uma quantidade enorme de terços e de tocos de velas.
Aquele achado me conduziu naturalmente à ligeira pesquisa sobre a vida e a obra daquela pobre Anastácia, condenada a morrer de fome pela senhora da fazenda por haver roubado um doce.
Aplicada a mordaça de ferro e fechadas as algemas, a linda escrava de olhos azuis finalmente morreu.
E ficou a duvida natural.
Condenada pelo roubo do chocolate, ou talvez pelos ternos olhares que o senhor das terras lançava em direção à escrava?
Sem conseguir estabelecer se a história é real ou mítica, ficou o desejo, ainda não realizado, de aprofundar-me na busca da verdade.
Quem sabe não estará ali mais uma Santa brasileira?
Uma vez que as pessoas que rezavam por Anastácia, passaram a rezar para Anastácia.
E segundo a lenda ela promoveu curas milagrosas.
Ultimamente tenho encontrado capelinhas protegidas por grades de aço.
Os fiéis depositam as imagens dos Santos em frente à grade e periodicamente o cuidador abre a capela e as recolhe.
Então eu soube que a pilhagem é sempre muito grande.
Das capelinhas desprotegidas surgiram algumas valiosas imagens de Santos fabricadas na Europa nos séculos passados, e as chamadas “paulistinhas”, imagens muito antigas de Santos e Santas esculpidas em madeira, possivelmente a canivete, que alcançam preços fabulosos em lojas especializadas.
Para quem desejar ingressar neste agradável trabalho de busca e pesquisa, informo que o estado de São Paulo ainda oferece um prato cheio. É verdade que rareiam e em breve desaparecerão, porém ainda podem ser encontradas capelinhas, alminhas, cruzes de estrada, ermidas, oratórios, capelinhas em fazendas antigas, pequenos santuários, jubileus, e capitéis, que são oratórios, pequenas capelas onde se cultua a imagem de única Santa.
Ou mesmo nas grandes cidades.
De São Paulo cito o exemplo da Capela dos Aflitos, na Liberdade, ou do culto à Nossa Senhora da Cabeça, que já foram objeto de interesse deste blogue. Entretanto, ao encontrar uma capelinha abastecida com imagens e outros objetos religiosos, resista à natural tentação e somente tire fotografias e deixe orações.
Larry Ramos Coutinho ( junho de 2011)

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