sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Mãos ao alto! - Crônicas da cidade plural.

Assistindo sozinho o mais recente jogo de futebol entre o Santos e o Flamengo e apesar de não ser torcedor de nenhum dos dois times saltei subitamente da poltrona diante de um lance feliz do Neymar e lancei repetidas vezes os dois braços para o alto, em seguida ao fantástico gol.
O que leva um senhor aparentemente sério com mais de setenta anos de idade a praticar tais passos desconexos e a lançar os braços para cima, feliz como um pinto no lixo?
Até mesmo desmunhecando um pouquinho?
Braços para o alto? Mãos para cima?
-Mãos ao alto!
O bandido levantava os braços em direção ao céu, e pronto, estava dominado, como nos filmes americanos.
Estranho gesto este de levantar os braços!
No código cinematográfico do faroeste significava submissão do mal encurralado pelo bem.
Quem levantava as mãos era quase sempre o bandido, rendido ao império da lei.
Assim era nos filmes do Tom Mix, caubói que surgiu no cinema na década de mil novecentos e dez e começou a ser publicado nos quadrinhos entre 1945 e 1947, numa revista chamada Guri Mensal.
Quando a revista apareceu em sua fase semanal, entre 1954 e 1958, Tom Mix estava novamente entre os favoritos.
Os editores das revistas em quadrinhos exploravam quase todos os heróis tornados famosos pelo cinema: Roy Rogers, Tex Ritter, Rock Lane, Gabby Hayes, Hopalong Cassidy, Durango Kid, Lone Ranger, Cisco Kid, e centenas de outros.
A década de cinqüenta foi fértil em histórias de caubóis. .
Eu acompanhava as aventuras pelas revistas de quadrinhos e às vezes ia apreciar meus heróis em ação nas telas dos cinemas.
Em mil novecentos e trinta e oito, um talentoso ilustrador chamado Charles Flanders fixou-se num personagem definitivo: The Lone Ranger. Apesar de solitário, este mascarado tinha como companheiro o índio Tonto além de seu cavalo Silver, de esperteza quase humana.
Os personagens dominaram as telas e as revistas norte-americanas por longo tempo.
O Zorro deu continuidade à fórmula do cavaleiro mascarado que era promotor da justiça e do amparo aos desvalidos, e já em filmes produzidos por Walt Disney foi ambientada na Califórnia, na época que aquele estado pertencia ainda aos mexicanos.
Don Diego era um nobre que se disfarçava com máscara para combater a tirania dos espanhóis colonizadores, em defesa do México e do povo mexicano.
O índio Tonto desapareceu, e surgiu como símbolo da opressão européia a força relativa do rotundo sargento Garcia.
As histórias do Zorro foram plagiadas: na Argentina o herói apareceu como Poncho Negro, e no Brasil como O Vingador.
Criação original de Johnston Mc Culley, os direitos sobre o caubói foram adquiridos por Walt Disney.
O leitor astuto deve ter percebido: tudo o que estou escrevendo reflete minha inquietação diante da expressão: mãos ao alto!
Hands up! era certamente frase conclusiva.
Emitida a ordem pelo agente do bem ao salteador, ao bandido, ao ladrão de gado ou ao que mais houvesse representando o mal nada mais restava.
Estava descoberto, frito, imobilizado e preso.
Todo o mal acabava com a ordem enérgica:
-Mãos ao alto!
A história não registra nenhum gesto de reação posterior.
Logo após o mocinho beijava a mocinha, às vezes não beijava, e aparecia na tela a expressão The End.
Inútil busca iconográfica foi realizada, na esperança de capturar os primórdios do gesto famoso.
Na Bíblia Sagrada, Moisés levantou os braços para os céus ao receber as tábuas da lei, mas permaneceu a dúvida: tratar-se-ia de gesto de submissão ou movimento natural de quem levanta os braços para segurar algo provindo do alto?
Nos campeonatos mundiais de futebol, a televisão mostra centenas de milhares de pessoas, de todas as raças, elevando os dois braços ao grito entusiasmado da palavra Gol! .
É ali um gesto de alívio e também de comemoração.
A lembrança dos estádios repletos e entusiasmados levou-me ao passado, quando os franceses gritavam “Allez!”, buscando incentivar os seus jogadores, os ingleses proferiam “Go...go...go...” com a mesma finalidade, e nós brasileiros, coerentes com o comportamento surpreendente das torcidas, criamos o neologismo “Aleguá!”, que misturava o “Allez” francês com “Go” inglês e com um “Á” que eu não sei de onde veio.
Aleguá, às vezes reforçado: Aleguá, guá, guá!
E penso também na “Ola”, uma onda de braços que se levantam e abaixam coordenadamente, lembrando o movimento do mar.
Levantar os braços parece igualmente aumentar a altura das pessoas, que explodem de satisfação.
Que belas hipérboles: explodir de alegria, estourar de satisfação, e assim por diante.
É como se fora uma constelação estrangulada, subitamente libertada pelo gol, espalhando estrelas pelo espaço infinito!
É quase um orgasmo!
Pois não é o gol marcado um coroamento feliz da cantada na mulher do vizinho? Com penetração e tudo!?
E um gol tomado?
Deixa amarga impressão de marido enganado!
Salve o hexa!
Em matéria de hipérboles e de metáforas eu hoje estou impossível!
Falando em mulher do vizinho, lembro que nos velhos tempos dos carnavais de salão os carnavalescos solitários costumavam erguer os dois braços enquanto sambavam ou saltitavam marchinhas no democrático terreno dos esfregões corporais.
As mulheres, mais modestas no gesto, mesmo assim ao elevarem os braços levavam com eles todo a musculação peitoral, erguendo seios em apronto agressivo e sensual.
Posso lembrar o olhar direto daquela morena fabulosa, explícita a ponto de provocar imediata ereção, desmanchando-se em dengos, elevando vagarosamente os dois braços lânguidos, sugerindo tudo sem dizer nada.
Ou antes, murmurando maliciosamente a marchinha:
-Menina vai, com jeito vai...
E o caubói, arma em riste, dominando o bandido cruel:
-Mãos ao alto!
É muito sensual isto tudo!
As mulheres diziam que gostavam de pular o carnaval! - enquanto os homens não diziam nada e entravam na folia sempre com desejos secretos de bolinação.
Anos depois, os foliões resolveram abaixar os braços e surgiu a dissimulada “mão boba”, desaparecendo muito do encanto carnavalesco.
Os portugueses e portuguesas de Nazaré, no litoral da terrinha, e de outras regiões de Portugal, ao dançarem o malhão ou o vira, igualmente elevam os braços, gesto repetido pelos ciganos da espanhola Sevilha, ao desfilarem alegrias e bulerias, no tradicional flamengo, movimento que estava sempre a proclamar:
-Castanholas ao alto!
Os homens e as mulheres da Andaluzia sabem despertar a sensualidade de platéias inteiras, naqueles passos, sapateados e sarandeios aparentemente inofensivos.
Haja coração!
Entretanto, ainda em Portugal, no Ribatejo, ao desprezar a ajuda harmoniosa dos braços, o dançarino do fandango enfia os polegares nas cavas do colete, enquanto baila sozinho, numa espécie de masturbação coreográfica, se é que assim posso dizer...
Elevar os braços, portanto, prestam-se mais a ocorrências coletivas.
As orientais protagonistas da dança-do-ventre não só elevam os braços como também centram o foco principal da coreografia nos movimentos serpenteantes das mãos, embora os olhares dos circunstantes masculinos geralmente escorreguem ao longo dos lindos corpos ondulantes, fixando-se no baixo-ventre, coxas e pernas.
A dançarina continua a tentar enfeitiçar com as mãos, os braços alçados, como se não possuísse corpo nenhum do umbigo para baixo.
E todos sabemos que Super-homem levanta os braços para se lançar em vôo.
Entretanto, para mim, elevar os dois braços sempre significou a submissão do bandido à ordem do xerife:
-Mãos ao alto!
Então porque a estranha cena de um velho senhor sozinho em casa a saltar e a gritar, lançando os braços para o alto, girando como um pião sem considerar o ridículo de tudo aquilo?
Um são-paulino festejando gol do Santos?

Larry Coutinho

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