São Paulo, domingo, anos quarenta.
Rua Doutor João Pinheiro, 252, Jardim Paulista.
Estacionado, o grande automóvel, com dois tubos de ferro bem grandes instalados na traseira
Meu pai risca um fósforo e acende uma espécie de fogareiro a carvão.
Aos poucos se vai formando o combustível.
É o gasogênio!
Por causa da guerra, a gasolina não é fácil de encontrar.
Só mesmo no mercado negro.
Então alguém inventa o gasogênio.
Não me pergunte, pois não faço a menor idéia de como funciona a engenhoca.
Eu, meus irmãos e primos, alegres, não vemos a hora de partir.
Lentamente o carro contorna a praça David Campista, e entra na avenida larga, de duas pistas.
A avenida está quase deserta.
Passamos pelo que será a avenida Nove de Julho, ainda em construção e continuamos pela avenida Brasil.
E, logo depois, os mais novos gritam de alegria!
Estacionado em cima do canteiro central, como está todo domingo, o caminhão, a carroceria moldada na forma de uma grande taça de sorvete, e o nome escrito: Vamos!
Embaixo e em diagonal: Sorvetes.
Desencontros gerais de desejos: creme, morango, goiaba ... chocolate...
Minha mulher, espiando sobre meus ombros o que escrevo, diz:
- Na década de sessenta, em certa tardes, passava pela rua uma carroça toda branca, em forma de balcão com seis ou sete portinholas. Em cada uma um sabor. O maestro, todo de branco, era o sorveteiro... e servia sem descer da carroça, parecia encaixado confortavelmente no centro do balcão.
Porém, naquele domingo dos anos quarenta, na volta para casa, dedos e rostos melados, mamãe pergunta:
- Comprou as lâmpadas azuis? Eu já cobri todas as janelas com cobertores e colchas...
- Comprei. Será hoje? - pergunta papai.
- Sim.
Em casa, ao anoitecer, papai troca as lâmpadas, cuida para que não escape nenhuma luminosidade pelos vidros das janelas.
Ficamos amontoados sobre os sofás da sala, tensos, amedrontados, sufocados pelo ambiente magicamente azul, esperando pelos sinistros aeroplanos que voam sobre a cidade escurecida.
Ouvimos o rádio da casa vizinha, repetindo as instruções, pela vigésima vez.
E os motores dos aviões, cortando o silêncio da noite...
Serão os alemães e seus aliados do eixo que vieram nos bombardear ou é somente exercício?
Tremulo, fecho os olhos e espero para saber.
Larry Coutinho
Rua Doutor João Pinheiro, 252, Jardim Paulista.
Estacionado, o grande automóvel, com dois tubos de ferro bem grandes instalados na traseira
Meu pai risca um fósforo e acende uma espécie de fogareiro a carvão.
Aos poucos se vai formando o combustível.
É o gasogênio!
Por causa da guerra, a gasolina não é fácil de encontrar.
Só mesmo no mercado negro.
Então alguém inventa o gasogênio.
Não me pergunte, pois não faço a menor idéia de como funciona a engenhoca.
Eu, meus irmãos e primos, alegres, não vemos a hora de partir.
Lentamente o carro contorna a praça David Campista, e entra na avenida larga, de duas pistas.
A avenida está quase deserta.
Passamos pelo que será a avenida Nove de Julho, ainda em construção e continuamos pela avenida Brasil.
E, logo depois, os mais novos gritam de alegria!
Estacionado em cima do canteiro central, como está todo domingo, o caminhão, a carroceria moldada na forma de uma grande taça de sorvete, e o nome escrito: Vamos!
Embaixo e em diagonal: Sorvetes.
Desencontros gerais de desejos: creme, morango, goiaba ... chocolate...
Minha mulher, espiando sobre meus ombros o que escrevo, diz:
- Na década de sessenta, em certa tardes, passava pela rua uma carroça toda branca, em forma de balcão com seis ou sete portinholas. Em cada uma um sabor. O maestro, todo de branco, era o sorveteiro... e servia sem descer da carroça, parecia encaixado confortavelmente no centro do balcão.
Porém, naquele domingo dos anos quarenta, na volta para casa, dedos e rostos melados, mamãe pergunta:
- Comprou as lâmpadas azuis? Eu já cobri todas as janelas com cobertores e colchas...
- Comprei. Será hoje? - pergunta papai.
- Sim.
Em casa, ao anoitecer, papai troca as lâmpadas, cuida para que não escape nenhuma luminosidade pelos vidros das janelas.
Ficamos amontoados sobre os sofás da sala, tensos, amedrontados, sufocados pelo ambiente magicamente azul, esperando pelos sinistros aeroplanos que voam sobre a cidade escurecida.
Ouvimos o rádio da casa vizinha, repetindo as instruções, pela vigésima vez.
E os motores dos aviões, cortando o silêncio da noite...
Serão os alemães e seus aliados do eixo que vieram nos bombardear ou é somente exercício?
Tremulo, fecho os olhos e espero para saber.
Larry Coutinho
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