Quando eu era menino, nas décadas de quarenta e cinqüenta, papai projetava filmes em casa, abrindo para a família o fabuloso universo da imagem em movimento e desvendando o mundo da fantasia.Primeiro papai comprou um projetor Kodak que mostrava filmes mudos na tela. Em geral eram desenhos do Walt Disney. Depois ele comprou um projetor Bell & Howell, com capacidade para filmes sonoros de 16 milímetros.
E as sessões de cinema doméstico adquiriram novo sabor, sepultando
para sempre as novelas radiofônicas, as engraçadas histórias do Nhô Totico, e
as leituras familiares dos livros de Alexandre Dumas. Os três mosqueteiros, Vinte anos depois, O
visconde de Bragelone...
Já era a imagem pegando pesado sobre a literatura e o radio.
As grandes produções de Hollywood podiam ser alugadas facilmente.
Entusiasmado, meu pai adquiriu uma filmadora Paillard Bolex, pensando
talvez em realizar os seus próprios filmes.
Tirante as poucas imagens de férias em Poços de Caldas, a família na
chácara do doutor Pacheco, o almoço na casa da minha-avó-que-morava-em-Niterói,
nada mais foi feito, indicando que fazer cinema era bem mais complicado do que
parecia.
O projetor de filmes também era utilizado para sessões secretas,
vedadas aos menores.
Curioso, certa vez meu irmão espiou pelo buraco da fechadura da porta
trancada e revelou assustado:
- Tem mulher pelada!
É claro que existiam os cinemas, que nós também freqüentávamos.
Cinemas? Quais cinemas e onde foram parar?
No primeiro volume do trabalho
Memória Urbana, a Grande São Paulo até 1940, publicação que uniu o
Arquivo do Estado, a Emplasa e a Imprensa Oficial, existem diversos depoimentos
de imigrantes.
O ítalo-brasileiro Rômulo Carraro, entre outros interessantes
assuntos, tratou de alguns cinemas existentes na cidade de São Paulo dos quais
anteriormente nunca ouvi ninguém mencionar os nomes.
Eis alguns trechos da entrevista:
“(...) Onde hoje é o Buraco do Adhemar, havia o Cine Central e eu ia
muito lá assistir o Tom Mix. No Martinelli havia o cine São Bento, que era todo acarpetado de vermelho, o cinema mais
sofisticado de São Paulo. Além desses, havia muitos outros, inclusive na praça
João Mendes (...)”
“(...) Mas o outro encontro da
rapaziada era o cinema: o Cinema Mafalda, por exemplo, tinha sala de espera com
orquestra para entreter as pessoas. Primeiro, havia o footing na rua e depois todos iam ao cinema. E como
os filmes eram mudos, havia as orquestras. Os filmes mais antigos eram feitos
com o som sincronizado: o barulho do mar, por exemplo, era feito por um tambor
cheio de pedregulhos que rodava; o som dos cavalos andando era feito por dois
meio cocos que batiam na mesa. O primeiro filme falado que assisti foi “Sombra
e Glória”, falado em espanhol. E era
acompanhado por disco. Acontece que muitas vezes o som não acompanhava o filme. Todos os dias passava um filme novo.
E distribuíam, de casa em casa, com banda de música e tudo, o programa dos
filmes que iam projetar. Era
tempo de Carlitos, do Gordo e o Magro, do Chico Bóia (...)”
Quem não lembra do Charles Chaplin e da sua criação, “The Tramp”, o
vagabundo genial, com as calças largas na cintura, botas e um chapéu
ridiculamente pequeno? E do gordo e do magro, autores de formidáveis
trapalhadas? Menos um pouco do Chico Bóia, eu reconheço, o nome brasileiro do
personagem de Roscoe Conkling Arbuckle (1887-1933), o Fatty Arbuckle, que no
filme da Keystone “A noise from the deep” mostrou a primeira torta na cara do
cinema mundial. E nos dois filmes em que ele apareceu contracenando com Buster
Keaton, o que nunca sorria: “Out West” (1918), e “O garoto açougueiro” (1917).
O “Martinelli” citado
era naturalmente o edifício Martinelli, o marco da explosão industrial da
cidade de São Paulo. Ele foi o maior edifício da América Latina, com vinte e
cinco andares, cento e cinco
metros e altura, duas mil cento e trinta e três janelas...
Entretanto a menção feita ao Cine São Bento parece equivocada.
Em que pese a boa vontade e a memória do senhor Rômulo Carraro, que
situou o Central Cinema exatamente onde ele ficava, isto é, “ - Onde hoje é o Buraco do Adhemar”, e eu acrescento, no prédio da Companhia Antarctica Paulista,
equivocou-se e confundiu o Cinema São
Bento com o Cinema Rosário.
Ao tratar do Martinelli em abril de 1971 a extinta Revista Realidade fala
no Hotel São Bento e no Cinema Rosário, com entrada pela Avenida São João, e
diz que foi inaugurado pelo Príncipe de Gales.
O Rosário sim ficava no prédio Martinelli, e era um dos cinemas mais
luxuosos da cidade. O primeiro a possuir poltronas almofadadas e estofadas com
couro.
Todas as sextas feiras o Rosário exibia filme exclusivo da Metro, e
era freqüentado por figuras da alta
sociedade paulista.
O Rosário não foi inaugurado pelo Príncipe de Gales, mas sim por
Pires do Rio, Prefeito de São Paulo, em dois de setembro de 1929. Com direito a
orquestra regida pelo maestro Gabriel Migliori e o filme “O Pagão”, estrelado
por Ramon Navarro.
Talvez houvesse uma entrada pela Avenida São João, mas o endereço
oficial do Cinema Rosário era Rua São Bento, 397.
O Cinema São Bento ficava na Rua São Bento, número 245.
Possivelmente o engano do senhor Rômulo Carraro decorreu da
proximidade entre os dois cinemas.
O Cinema Rosário foi desativado no ano de 1945.
O também citado Cinema Mafalda, inaugurado em 1912, ficava na Avenida
Rangel Pestana.
O Bijou Theatre, ainda não citado por ninguém, inaugurado em
dezessete de novembro de 1907, talvez tenha sido o primeiro cinema de São
Paulo.
Ficava na Rua de São João (atual Avenida São João).
Digo que o Bijou Theatre talvez tenha sido o primeiro cinema da
cidade porque não posso esquecer as chamadas “câmaras óticas para divertimento
público”, instaladas em São Paulo desde 1834, embora até 1897 o cinema não
existisse em nenhum lugar do mundo, nem como indústria, nem como arte.
Entretanto, no final do século dezenove, o Salão Progredior fazia
apresentações das “lanternas mágicas”, pequenos comerciantes compraram
aparelhos de projeção cinematográfica e as “fitas” eram apresentadas em
espetáculos de variedades.
Volta e meia alguém alugava um precário salão e abria as bilheterias
para exibições de pequenas “fitas”.
Em 1898, em São Paulo, o Theatro Apolo, que de tempos em tempos
descia à condição de cinematógrapho, apresentou a “Cia. Variedades Francesas do
ilusionista Faure Nicolay”, uma espécie de cinema, em sessões que as más
condições do sistema elétrico público costumavam interromper.
Somente com a construção da barragem no rio Tietê, em Santana do
Parnaiba, e a instalação da primeira usina hidroelétrica é que foi garantida a
continuidade das sessões cinematogáphicas, que começaram a se consolidar como forma de entretenimento das classes
sociais mais baixas.
Nossa reserva com relação ao pioneirismo cinematográfico do Bijou
Theatre encontra apoio em certo texto da Emplasa, que afirma: “-Na Rua Boa
Vista foi aberto o primitivo Teatro Santana, onde funcionou o primeiro cinema
de São Paulo. O segundo - o Íris - funcionou na Rua Quinze de Novembro, cuja
projeção era feita em tela molhada para maior nitidez da imagem.”.
Segundo Sylvio Floreal, no seu Ronda da meia-noite - vícios, misérias
e esplendores da cidade de São Paulo - ninguém conseguia resistir à curiosidade
despertada pelo cinema.
Entretanto, comenta Floreal:
“Ao lado de uma série de benefícios salutares, de incontáveis
utilidades, que este gênero de diversões traz consigo, há uma infinidade de
males e desvios morais inevitáveis, que exerce no ânimo popular, escancarado a toda
a coisa abominável, um despotismo férreo.”
Sylvio Floreal aborda um subproduto, por assim dizer, da sessão
cinematográfica vespertina, na cidade de São Paulo.
A bolinação no cinema.
Enquanto as estrelas davam beijos delirantes na tela, o “espectador
casquilho, dotado de safardanices”, ia ao cinema e desenvolvia uma piratagem
digitálica sem dó nem piedade, sobre certas fulanas do sexo mole, muito amigas
das tais massagens feitas no escuro... Começava com umas encostadelas furtivas
e ampliava a ação das mãos. Se houvesse estrilo, o bolinador mudava de lugar e
recomeçava a prática com outra mulher.
E ficava sempre a questão: sabendo da bolina quase certa, porque as
mulheres iam sozinhas ao cinema?
Além dos bolinadores, despontavam sempre as vozes anônimas, perdidas
na escuridão das salas.
“Cochichos, meias-frases, palavras intencionais, que escondem
obscenidades, são ditos por certos tipos inconvenientes, comentadores baratos
que, em pleno recinto atulhado de espectadores, dão classicamente a prova mais
berrante e ridícula da sua formidável burrice.”
E segue Floreal, falando da importância adquirida pelo cinema no ócio
paulistano:
“Atualmente, São Paulo, desde a plebe que se desunha no trabalho
afanosamente, até as classes que brunem ociosamente as unhas, morre de amores
por dois gêneros de passatempo diametralmente opostos - cinema e futebol (...)”
Até a véspera espectador das peças teatrais, o freqüentador do cinema
precisou aprender a nova linguagem.
Por exemplo, o tenebroso caso das cabeças decepadas.
Coisa jamais vista no teatro!
Para compreender o caso um pouco mais profundamente, vamos lembrar o
José Guadalupe Posadas.
Posadas foi um dos mais célebres ilustradores dos corridos mexicanos,
uma forma de poesia semelhante aos livretos de cordel do nordeste brasileiro.
Nos pequenos espaços destinados à ilustração, Posadas conseguia colocar
bailes inteiros, correrias, perseguições em cavalos, e inúmeros outros temas
referentes ao cotidiano das regiões mexicanas referidas nos textos.
As ilustrações de Posadas eram repletas de seres humanos, porém...
todos eles na forma de esqueletos ou caveiras!
Quando ouvi falar nas cabeças decepadas que apareciam nos filmes de
cinema do início do século vinte e soube a respeito das ilustrações de Posadas,
procurei uma explicação elucidativa e mergulhei até ao fundo na obra de Massimo
Canevacci, chamada Antropologia da comunicação visual.
Quanto às cabeças decepadas, nada de alarme, leitor amigo. Era o
close-up.
Para quem não está ligando o nome à pessoa, é aquele momento em que
na tela surge apenas a cabeça do ator ou da atriz, separada do corpo.
Acostumados com o corpo inteiro do ator no palco, ainda espectadores
de teatro, os freqüentadores dos cinemas, no início do século vinte reagiam
desfavoravelmente diante do close-up.
Era o momento em que o rosto passava a exercer importante função
dramática.
Devia refletir medo, amor, alegria, terror ou qualquer outra
expressão exigida pelo roteiro do filme.
Na medida em que o ator ou a atriz estavam tentando demonstrar alguns
sentimentos humanos possíveis, na verdade criavam a máscara apropriada.
Agora, a melhor parte: a máscara provoca uma inquietude e uma
fascinação que envolve praticamente toda a humanidade.
Não acostumados com a necessidade de interagir com a máscara, os
espectadores de cinema daquele tempo sentiam enorme desconforto e às vezes
reagiam com violência.
Sem dúvida atrás da máscara de quem a punha ou criava, estava
certamente escondido um segredo.
Então nosso amigo Posadas em suas ilustrações nas folhas soltas dos
corridos mexicanos, nos desvendou o mistério: atrás da máscara, lá no fundo,
sempre está a caveira!
Aberto o caminho podemos seguir adiante.
Walter Benjamim, outro estudioso dos fenômenos humanos foi além.
Para ele, essa caveira-máscara é o rosto rígido da natureza
Afirma que é o valor escultórico que permanece, excluídos todos os
sentimentos humanos que se foram com a carne dissipada.
Ou seja, o close-up, a cabeça decepada, é o momento em que a carne
existente sobre o rosto rígido da natureza (a caveira) é capaz de expressar os
sentimentos humanos, sendo a caveira a expressão zero.
Apesar dos apupos e reclamações em voz alta dos espectadores do
início do século vinte.
Os “Cochichos, meias-frases, palavras intencionais, que escondem obscenidades...”
apontados pelo nosso bom Sylvio Floreal.
A obra de Sylvio Floreal
ainda nos brinda com uma fotografia do interior do Salão High-Life, por ocasião
da primeira exibição das fitas do Kinema-Color, em 1913.
Cadeiras comuns e estreitas acolhendo multidão apinhada.
Mulheres ampliando suas figuras por meio de enormes chapéus tipo
bolos-de-aniversário.
Homens usando palhetas, chapéus de feltro e até mesmo cartolas,
infernizando a vida dos espectadores das fileiras posteriores.
E um lotado balcão em forma de U, situado à-meia-nau...
O rio Tietê, com suas glórias
e miséria, marcou o destino de Santana do Parnaiba desde muito cedo.
A montante da cidade havia uma queda d’água chamada de Cachoeira do
Inferno.
Ali, no começo do século passado, entre 1900 e 1901, os engenheiros
ingleses da The São Paulo Railway, Light and Power Limited, com o auxílio de
750 operários, 70 carroças, 100 burros e 400 bois de carro iniciaram a
construção da barragem.
O Brasil era governado por Campos Sales e à barragem seguiu-se a
construção da Usina Hidroelétrica do Parnaiba.
Anos depois a barragem, que media 19 metros de altura e 275 metros de
extensão, recebeu o nome de Edgard de Souza.
As águas movimentavam as turbinas da primeira hidroelétrica da Light
no Brasil, a maior construída até então.
Poucos anos depois a Usina já se revelava pequena em função da demanda
da Capital paulista.
Foi ampliada em 1912, ano em que começou a funcionar a usina
termelétrica a vapor, na Rua Paula Souza, em São Paulo.
A energia elétrica gerada em Santana do Parnaiba permitiu, em 6 de
agosto de 1909, a exibição, no cine Bijou de São Paulo, de documentário
produzido pela empresa Serrador e mostrando a festa de São Norberto, realizada
em Pirapora do Bom Jesus alguns dias antes - 6 de junho de 1909, domingo - com
a presença do Cardeal Arcoverde, dos bispos de Niterói, Campinas e Botucatu.
Pela primeira vez em imagens aparecia a igreja matriz de Pirapora em
todo o seu esplendor.
Com a garantia do fornecimento mais ou menos regular da eletricidade,
alguns teatros passaram a funcionar como locais de apresentação de “fitas”.
Desde 1908 o comerciante Francisco Serrador utilizava o teatro
Eldorado como cinema.
O cine Bijou instalou-se no antigo Café Éden Teatro.
Outros teatros transformados em cinema foram o Paris Théatre, o
Teatro Popular...
Muitas salas especialmente destinadas ao cinema foram aparecendo: no
centro, os cines Avenida, Popular, Radium, São João, Odeon, High Life,
Paulista, Palace, e nos bairros, o Cine Barra
Funda, Cine Barracão, o D. Pedro e o Ipiranga, no Ipiranga, e o cine Barra
Funda, o Piratininga e o Íris, no Brás.
No fim dos anos dez surgiram outros cinemas: o Cine Teatro Espéria, o
Cine Éden, o Cine Guarani, o Cine Radium, na rua São Bento, o Cine Recreio, o
Cine Bresser, o Cine Brás-Bijou, na Rangel Pestana, o Cinema Belém, o Cine
Brás-Politeama, o Cinema São Pedro, na Barra Funda, os cinemas Ambrósio e
Edilson, o Cine Pavilhão...
Mais adiante neste blogue tratarei do documentário cinematográfico
presente nas primeiras décadas do século XX, e sua importância para a
divulgação dos fatos acontecidos em Pirapora do Bom Jesus e Santana do
Parnaiba.
Sigo tratando do reino das águas.
A Usina Hidroelétrica do Parnaiba pedia águas abundantes e
regulares.
Para garantir o bom funcionamento depois das obras de ampliação, foi
construída a represa de Guarapiranga, em São Paulo.
Em 1925 foi construída a Usina Hidroelétrica de Rasgão, entre
Pirapora e Cabreúva - ano em que entrou em operação.
Em 1926 entrou em operação a geradora da Usina de Cubatão (Usina
Henry Borden).
Na década de 30, para aumentar a capacidade da Usina Henry Borden, os
engenheiros promoveram a retificação e a
reversão de curso do rio Pinheiros, em São Paulo, e a formação do reservatório
Billings.
Certo filme lançado em exibição pelo Cine República, em 10 de outubro
de 1924, produção da Rossi Filme, era cine-jornal que sumariamente apresentava
- Na terra de Itu - Paisagens de Pirapora - O batalhão Hilário de Freitas -
Aspectos da grande corrida automobilística São Paulo - Ribeirão Preto -
Inauguração da Exposição de Estradas de Rodagem. Em 14 de outubro do mesmo ano
o Cine República apresentou o documentário sobre a Inauguração da Exposição de
Automóveis.
A filmagem da corrida de automóveis entre São Paulo e Ribeirão Preto
foi a primeira entre as transmissões esportivas do gênero.
E o cine-jornal, aproveitando a deixa, completou a informação
mostrando a evolução das estradas de rodagem do Estado e a inauguração da
exposição dos novos automóveis de 1924-1925.
Aqueles filmes primitivos foram certamente conseqüência do que
aconteceu de 1907, em 19 de junho, a bordo do paquete francês Brasil.
Algumas imagens da baía da Guanabara foram filmadas.
Foi o primeiro filme feito no Brasil.
Graças a Santana do Parnaiba a luz elétrica chegou a São Paulo.
O Teatro Sant’Anna antes servido por bicos de gás trocou de sistema,
e em 21 de abril de 1900 mostrou a casa toda iluminada por energia elétrica.
Foram colocadas quinhentas lâmpadas em todo o edifício
Depois de dois anos de atividade, o Bijou Theatre apresentou uma
novidade: o cinematógrapho cantante.
Em São Paulo entre 28 ou 29 de julho de 1909 deu-se a estréia da nova
técnica.
Ainda não era o filme falado.
Em 1909 o filme de cinema continuava mudo como dantes, porém, atrás
da tela colocava-se a orquestra e os cantores, que acompanhavam a viva voz o
transcorrer da ação cinematográfica.
O cinematógrapho cantante competia com as apresentações teatrais por
ser o ingresso consideravelmente mais barato.
A primeira seção do cinematógrapho cantante deu-se, salvo erro ou
omissão, no Cine Bijou, onde a artista dona Claudina Montenegro e o barítono
Pepe mostraram suas belas vozes.
Existe registro da sessão do dia 29 de julho, com a apresentação da
canção “Café de Puerto Rico”, que sucedeu à sessão do dia 28, sobre
a qual nada sei.
O Bijou Theatre durou apenas seis ou sete anos e acabou em 1914
quando o prédio foi demolido.
E o cinema sonoro, falado, só chegou depois (The Jazz Singer, filme de 1927)
O cinematógrapho cantante teve o mérito de abrir para os paulistanos uma série bem grande de
canções estrangeiras que dominaram o panorama musical da cidade por bom tempo.
Até mesmo neste abençoado ano de 2012 alguns tenores apresentam em
seus espetáculos trechos musicais, árias e canções que aqui pela terrinha
tiveram suas primeiras apresentações nas seções de cinema cantante.
Alguns registros: Ci-ri-bi-ri-bin,
Torna a Sorrento, a Canção da Viuva Alegre... e segue uma
pequena relação de canções apresentadas na época.
A modalidade cinematógrapho cantante logo foi adotada por dois outros
cinemas: o Radium e o Smart, sobre os quais sei apenas o que consta nos
registros abaixo:
“A viuva alegre” (I).
Filme: filme brasileiro
em 3 atos.
Intérpretes: cantores
da Companhia Lahoz, acompanhada pela excelente orquestra dirigida pelo
professor Gonçalves.
Lançamento e programação: São Paulo. (Cine) Radium, de 2 a 8,12,13 e 15-08-09; 07-09-09;
17-10-09; 01-10-10, 25 e 26-07-10; 24-10-10.
(Cine) Smart, 25-04-12.
-o-
“A viúva alegre” (II).
Filme: Cantante. Empresa
Serrador.
Intérpretes: Ismênia
Mateus, Santucci e Cataldi.
Lançamento e programação: Rio de Janeiro. Cinema Rio Branco. Mais de 300 apresentações.
Posteriormente, “tournée” em São Paulo. Politeama Concerto, 30 e 31-12-09.
Bijou Theatre, 11,15 e 16-01-10.
Comentário: “Valsa da viuva
alegre” (“Die lustig witwe walzer”) (valsa), Franz Lehar
Foi a música de carnaval mais cantada em 1910, adaptada ao ritmo de
marcha
Eis a relação de algumas canções apresentadas pelos cinematographos
cantantes em São Paulo, em 1909: “Café
de Puerto Rico” - “Cavalaria rusticana” - “Chateau
Margaux” - “Ci-ri-bi-ri-bi” - “Crispino e La Comare” - “Dueto da Mascote” - “Dueto de amor da viúva alegre” - “Duo de la africana” - “Duo de los
patos” - “El barberillo de Lavapiés” - “Guitarrico” - “L’adieu
du matin” - “La educanda
di Sorrento” - “La farfala” - “Las
sapatillas” - “Legenda vallaça” - “Os
aventureiros” - “Racundite harmonie” - “Torna a Sorrento” - “Tui tui”
Eram canções populares, árias de operas e
trechos de operetas populares na época.
Sei que tudo isso pode parecer distante e irreal, uma vez que atualmente basta um
simples DVD colocado
displicentemente na maquina apropriada
para assistirmos em som estereofônico, a cores, em 3D, qualquer filme que assim
seja produzido pela industria cinematográfica, sem sair de casa e acomodados em
nossas poltronas favoritas.
E sei que aguardamos a chegada dos filmes holográficos, momento em
que a ação será toda no espaço da nossa sala, sem telas...
Porém estamos a tratar dos velhos cinemas de São Paulo:
Cinematographico Migon, inaugurado em 1908, ficava no largo do Mercado, próximo à atual Rua
Brigadeiro Tobias.
Atos do Liceu (padres
salesianos), inaugurado em 1909. Na Alameda Nothmann, nos Campos Elíseos.
Utilizava nas projeções um cinematógrapho aperfeiçoado Pathé.
Polytheama Concerto - apresentava espetáculos, musica e cinema. Comprado em 1911 por
Francisco Serrador. Depois mudou o nome para Polytheama Paulista. Situava-se na Rua de São João com a rua Anhangabaú.
Destruído por incêndio em 1914.
Para quem gosta de tudo bem explicadinho, nos mínimos detalhes,
informo que o Polytheama exibiu
filmes com os seguintes aparelhos:
-Biographo Americano (1902);
-Grand Cinématograph Franco-Brèsilien, da empresa Didier - cinema
ambulante (1908);
- Cinematógrapho cantante (1909);
-Cinemacantante de Edison (1914);
-Kinetophone (1914);
-Cinematógrafo Warwick.
Follies Bergère - um café-concerto que eventualmente passava filmes. Ladeira
Santa Ifigênia, 7. Inaugurado em 3 de novembro de 1914.
Cine Alhambra.
Inaugurado em vinte e um de julho de 1928. Rua Direita, 33 (atual 223).
Na década de cinqüenta ir ao cinema exigia certa preparação.
Para os homens o traje era terno completo e gravata.
As mulheres quase sempre entravam acompanhadas. Alguns cinemas não
permitiam mulheres desacompanhadas.
Os cinemas se tornaram grandes
e confortáveis.
O Metro, na Avenida São João, tinha o Pullman, um espaço reservado no
primeiro andar, onde se pagava mais caro.
Outros cinemas elegantes foram o Ipiranga, o Marabá e o Marrocos.
Ainda no centro, as salas do Alhambra, na Rua Direita, do Cine República,
do Coral, do Olido, do Paissandu, que eram luxuosas, e do Cine Santa Helena, na
Praça da Sé e do Recreio, na Quintino Bocaiuva, que não exibiam tanto luxo, mas
atraiam grande público.
As noites dos anos cinqüenta começavam pelos cinemas e bomboniéres, passavam pelas livrarias, casas de discos,
leiterias, restaurantes e podiam terminar em boates ou em bares.
Vistos os primórdios, fui ao Arquivo do Estado pesquisar, nos
jornais, os nomes de alguns dos cinemas existentes no centro da cidade de São
Paulo entre 1950 e 1970, que muitos consideram ser talvez a época dourada dos
remanescentes do grande sonho cinematográfico.
O resultado está na lista abaixo:
Apolo - Rua Conselheiro
Nébias.
Arizona - Avenida Rio
Branco.
Art Palácio - na Avenida
São João. Largo do Paissandu.
Atlas - Avenida Rio
Branco, 300.
Áurea - Rua Aurora, 522
Barão - Rua Barão de
Itapetininga.
Boulevard - Rua Antônio de Godoy, 83.
Broadway - Avenida São
João.
Cairo - Rua Formosa,
401.
Centenário - Avenida
Guilherme Cotching.
Cinemundi
- Praça da
Sé, 259.
Climax - Rua Espírito
Santo, 330.
Cometa - Rua Aurora,
541.
Comodoro - Avenida
São João, 1462.
Coral - Rua 7 de Abril - filmes
de arte (europeus) de propriedade de Dante Ancona Lopes, mais tarde ele abriria
o cine Belas Artes, fechado recentemente.
Éden - Avenida São
João, 1140.
Esplanada - Praça
Julio de Mesquita, 33
Europa - Rua Joaquim
Gustavo, 40.
Gazeta - Avenida
Paulista.
Ipiranga - Avenida
Ipiranga, 786. Havia o Pullman, uma espécie de confortável mezanino. Subia-se
de elevador.
Itamarati - Rua
Barão de Tatuí, 804.
Jóia - Praça Carlos
Gomes, 82.
Jussara - na
Rua Dom José de Barros, 306.
Líder - Rua Conselheiro
Nébias, 197.
Los Angeles - Rua
Aurora, 501.
Marabá - Avenida Ipiranga,
757.
Marrocos - Rua Dom José
de Barros, quase ao lado do antigo Quartel-General
do segundo Exército. Entrada monumental.
Metro - na Avenida São
João, 801.
Metrópole - Praça
Dom José Gaspar, 134.
Miami - Praça Marechal
Deodoro, 340.
Moderno - Rua da Mooca,
2224.
Mônaco - Avenida Rio
Branco, 61.
Monark - na Avenida
Brigadeiro Luís Antônio.
Nikkatsu - Rua São
Joaquim, 129
Nipon - Rua Santa
Luzia, 84.
Niterói - Rua Galvão
Bueno, 102.
Normandie - na Avenida Rio
Branco, 425.
Oásis - Praça Julio
Mesquita, 117.
Odeon - com três salas
de projeção: Sala Verde, Sala Vermelha, Sala Azul
Olido - Avenida São
João.
Ouro - Largo
Paissandu, 138.
Paissandu - Largo
Paissandu, 60
Pedro II - Rua dos
Timbiras, 144
Pigale - Largo do Arouche,
426.
Radar - Avenida Santo
Amaro, 525.
Regência - Rua
Augusta, 973.
Regina - Avenida São João, 1140.
República - Praça da
República, 365.
Rio Branco - Avenida
Rio Branco, 500.
Rivoli - Avenida São
João, 587.
Saci - Avenida São
João, 425.
Santa Helena - na Praça da Sé, 261 (antigo teatro).
O edifício foi implodido para a construção da estação Sé do Metrô.
Scala - Rua Aurora,
720.
Windsor - Avenida
Ipiranga, 974, esquina da Rua Amador Bueno.
Eram cinemas que anunciavam os filmes nos jornais.
O cine Broadway, que não existia mais na época da nossa pesquisa,
teve o nome ligado a diversos assuntos fora do meio cinematográfico.
Pertencia à família César dos Reis, que também era proprietária do
castelinho da Rua Apa.
Um dos irmãos decidiu transformar o cinema em pista de patinação, foi
impedido pela mãe e pelo irmão, e cometeu duplo assassinato e o suicídio, na
versão apresentada pela polícia.
O Cine Teatro Broadway inaugurou suas atividades em 1934 e a exemplo do Palais de Glacê, que
existia em Buenos Aires desde 1910, o Broadway tinha no teto uma grande cúpula
de vidro.
Era um grande espaço com 1661 assentos, e servia também para outros
cometimentos, além do cinema.
Foi o principal lançador de filmes da mexicana Palmex. No início
exibia filmes da RKO Radio e da UFA, a exemplo do UFA-Palácio também na avenida São João, mais tarde
Art-Palácio.
Entre 1940 e 1961 o exibidor foi a Companhia Serrador.
Em 1970 o prédio foi demolido.
Outra função desempenhada por alguns cinemas de São Paulo foi a de
acolher os astros e estrelas cariocas, cantores e cantoras do rádio, quando
vinham atuar em São Paulo.
Cinemas da Avenida Ipiranga e Avenida São João transformavam-se em
palco radiofônico da música popular brasileira e de seus grandes nomes.
Assim foram utilizados o Metro, da Avenida São João, e o Art-Palácio,
quando ainda era Ufa-Palácio.
Também o cine Broadway serviu e palco para os artistas da era da
rádio.
O cine Broadway era grande e acolhia centenas de radio-ouvintes, mas
não o suficiente para atender à demanda, e assim as proximidades do cinema, na Avenida
São João, ficavam repletas de pessoas que não conseguiam ingresso.
Hoje todos aqueles grandes cinemas são estacionamentos, depósitos ou
igrejas, e aqueles cinqüenta e tantos cinemas do centro velho de São Paulo não
existem mais.
É preciso reconhecer que na relação
não foram considerados os inúmeros cinemas dos bairros.
Havia cinemas em todos os bairros, inclusive em Santana, Penha e
Pinheiros.
Em 1925 foi instalado o primeiro cinema de Pinheiros, no salão
paroquial, ao lado da Igreja Matriz.
Em 9 de julho de 1927 foi inaugurado o Cine Pinheiros, na Rua Butantã, e assim por
diante.
Para não ficar a melancólica visão de uma cidade que perdeu todos os
seus cinemas, é possível trazer alvíssaras, boas notícias, e arejar o ambiente.
Porque os cinemas de São Paulo não desapareceram.
Transformaram-se, e estão pela cidade inteira, em shoppings,
cineclubes, algumas salas “de rua”, localizadas no centro, nos bairros e na
Grande São Paulo.
O conceito de Grande São Paulo ampliou nos mapas a mancha urbana que
já existia de fato, englobando diversos municípios vizinhos e muitos bairros
distantes do centro.
Em junho de 2012, munido de paciência e de uma simples máquina de
calcular, fiz um levantamento dos centros culturais, salas de cinema e
poltronas disponíveis na São Paulo atual.
Entre cineclubes, salas especiais, cinemas de rua (centro e bairros),
shoppings e a Grande São Paulo, a população paulistana conta com 68 centros
culturais (shoppings e assemelhados), 414 salas de cinema e 79.732 poltronas.
Considerando a média de quatro sessões diárias, as salas de cinema de
São Paulo diariamente colocam à disposição do público, 318.928 poltronas.
Ou seja, em que pesem as novelas na TV, os DVD’s, os espetáculos
teatrais, as apresentações musicais, o futebol e os eventos especiais, o cinema
paulistano ainda mantém seu posto na preferência popular e sustenta a posição
com dignidade.
Confortáveis, inúmeros cinemas estão equipados com ar condicionado e projetores
de última geração.
Outros poucos ainda já fazem projeções em 3D.
Nada mau para a rapaziada que há pouco mais de oitenta anos ia fazer
o footing, namorar e assistir o Tom Mix no Cine Mafalda!
Ou então, recuando um pouco no tempo, freqüentava o Salão Progredior
para assistir as apresentações das
assombrosas “lanternas mágicas”.
Sugestões para saber muito mais:
-Simões, Inima - “Salas de Cinema de São Paulo”, 1990.
-Araujo, Vicente de Paula - “Salões, circos e cinemas de São Paulo” -
Ed. Perspectiva, 1981.
-Santarelli, Atilio - “Cinemas Antigos do Brasil”, Fotoblog.
-Floreal, Sylvio. “Ronda da meio-noite - vícios,
misérias e esplendores da cidade de São Paulo”. São Paulo. Editora Paz e Terra.
2003 (1a. edição em 1925).
-Bibliografias complementares, especializadas:
basta solicitar ao autor por e.mail
Larry Coutinho
Texto
parcialmente planejado e executado no leito 5 da Unidade Coronária do Instituto
Dante Pazzanese de Cardiologia, entre os dias 6 e 10 de julho de 2012.
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