Nas décadas de cinqüenta e sessenta eu costumava freqüentar alguns salões de chá, na São Paulo ainda provinciana.
Casa Lu
Na rua Barão de Itapetininga.
Aparentada em suas finalidades a Maison Blanche de Curitiba
Vendia roupas para bebês e no mezanino havia salão de chá e um piano-armário equilibrado em palco diminuto.
Algumas vezes eu tocava sanfona, sempre à espera de um gordo cachê que nunca foi pago.
Ali nasceu o famoso samba-paulista “Quinhentos e seis” (famoso num universo de dez ou doze pessoas).
A musica de autoria do violinista (tínhamos violinista!), e a letra escandida pelo baterista dizia simplesmente: “Quinhentos e seis/ é o apartamento dela./ Você tem que me dizer/ quem é ela!” - e o breque “- Quinhentos e seis!”.
A letra, imaginada e criada pelo baterista referia-se ao endereço e à namorada do pianista, que ignorante do número da porta da própria amada, cantava alegremente o refrão, sem desconfiar de nada.
Tal era o entusiasmo do rapaz que jamais conseguimos concluir o samba de maneira decente.
Terminávamos sempre em gargalhadas incontroláveis.
Nossa platéia compunha-se de espantadas senhoras a comprar roupas infantis e fraldas, no pré e no pós-parto, tias e avós em busca de presentes úteis para os sobrinhos ou para os netos recém-nascidos.
Reconheço que tudo era um tanto surrealista.
Livraria Jaraguá
Já tratei do salão de chá nos fundos da livraria, onde nunca entrei, sempre à espera do convite que jamais aconteceu.
Mappin Stores
Praça Ramos de Azevedo, em frente ao Teatro Municipal de São Paulo.
Qual formidável camaleão que troca de cor à medida que caminha, o restaurante do quinto andar onde eram servidos almoços ao meio dia recebia violinos e mesas arrumadas para o chá da tarde.
E chegavam as senhoras.
Com os filhos, com as amigas, com as irmãs ou parentes e às vezes sozinhas.
Meninas de quinze anos com as amigas, todas uniformizadas.
Vindas da Escola Normal., na praça da República.
“Vestida de azul e branco
Trazendo um sorriso franco
No rostinho encantador...”
E alguns homens aparentemente solitários.
Havia sempre musa inspiradora em mesa próxima.
Troca de olhares, sinais de dedos, sorrisos envergonhados e pudicos...
Não concluam com precipitação, apenas sinais externos, não muito profundos, como era costume na época.
Estive ali aos onze ou doze anos deidade, acompanhando mamãe, depois das compras de Natal em 1947 ou 1948.
Mais interessado no fabuloso jogo metálico de montar (importado) do que propriamente no chá.
Nunca mais voltei.
O chá no Mappin!
Iara
Na rua Augusta.
Chá, torradas, queijos e doces. Uma fantástica torta de maçã e um apffelstrudel extraordinário.
Ainda escreverei um texto sobre as diferenças principais entre a torta e o enrolado de maçãs.
O Iara, lugar especial para namoros juvenis.
A parede era forrada por painéis de madeira.
Totalmente gravados a canivete pelos freqüentadores.
Tipo: João e Maria estiveram aqui. Nove de julho de 1953.
Centenas de nomes e de caligrafias diferentes, e alguns desenhos simples. Corações, flores, mãos ....
Meu próprio nome andou por lá, ligado ao de uma amável senhorita.
Voltei anos depois para apagar a referência, pois a senhorita era outra.
Então descobri que periodicamente os painéis eram removidos e trocados por novos.
Sábia manutenção!
Larry Coutinho
São Paulo é um aglomerado de pequenas cidades do interior, às vezes até mesmo de aldeias de diversos países, que se juntam graças às avenidas que as ligam e sobra a impressão de ser uma única cidade colossal. Por sua vez, os pequenos bairros colocam-se em camadas diferentes do tempo. Alguns vivem no futuro, outros no século dezenove ... e cada um espia o outro!
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