INTRODUÇÃO
Em pleno século vinte e um, mais de
quinhentos anos depois do descobrimento oficial do Brasil, ou se o leitor
desejar oitenta séculos após o homem lançar nas águas a sua primeira canoa de
tronco escavado, Ilhabela continua a guardar mistérios e deslumbramentos.
Quais
mistérios serão os mais relevantes?
Serão
algumas missas rezadas em latim macarrônico? Veremos as casas e as armadilhas
para peixes cercadas por varas de bambu? Terá sido mantida a crença nos seres
encantados, na comunhão com o mar ou no enigma do dia seguinte regido pela lua?
E no lobisomem? O que foi o limo? Qual
ouro colonial tem probabilidade de ser encontrado por caçadores de tesouros:
ouro em pó, em pepitas ou em barras com cunho da Coroa portuguesa? É verdade
que a Ilha abrigou homens pré-históricos durante milênios? E o primeiro grupo
étnico do povo genuinamente brasileiro, os caiçaras? O que é a Tontinha? E o
vento do padre? No sul da ilha quem ainda se lembra do frio do Rosa? Quais as praias
que guardam as casas de canoa?
As
trilhas e picadas antigas, a onipresente, porém inatingível floresta tropical,
os pássaros álacres e coloridos, as feras e serpentes ocultas pelas folhagens e
apenas pressentidas, o murmurar dos rios e regatos, o estrugir das cachoeiras,
as capelas fechadas guardando altares e santos imaginados pela fé dos devotos,
a visão desafiadora dos altos picos solenes, as praias fáceis, as difíceis, e
as impossíveis de serem atingidas, as águas e as pedras que cantam afinadas no
timbre dos sinos, a enorme sombra dos homens dos sambaquis a preencher o
passado das praias, das costeiras, dos manguezais e das lagoas, a busca da
sonoridade perdida e das danças ingênuas, do timbre da viola, do gemer da
rabeca, do ritmo do violão, da timba, das caixas, do pandeiro, do cavaquinho,
do bandolim, do titilar dos triângulos, da percussão dos tamancos portugueses
de saltos de laranjeira, da centenária congada de São Benedito, do mandango, um
caixote sonoro movido a tamancadas dos calçados vestidos nas mãos, das
coreografias da canoa, da chamarrita, da cana verde, da dança do boi, da
marrafa, do chiba, que pode ser xiba,
cateretê, catira e talvez seja branle, falando francês medieval e lembrando da
velha Cassandra, das miudezas nos intervalos, da marrapaia atando quizos nos
tornozelos e trazendo lembranças bolivianas de vilancicos populares de Chiquitos,
do perfume da cachaça a pingar preguiçosamente nos alambiques do tempo, do Azul Marinho e do arroz com lambe-lambe, tudo
isso contribui para aprofundar e aumentar o valor do desconhecido, do que deve
ser descoberto.
Caminharam
pelas surpreendentes picadas da ilha expedicionários, piratas, bucaneiros,
corsários, marinheiros de várias nacionalidades, padres franciscanos,
beneditinos, militares de muitos uniformes, jesuítas, contrabandistas,
aventureiros, mergulhadores, indígenas, os misteriosos homens dos sambaquis, os
caiçaras e gente comum.
Muitos
deles apenas passaram pela ilha, outros ficaram para sempre.
E
deixaram para o visitante a tarefa de descobrir o caiçara e sua cultura.
Será
que existe a canção dos cortadores de pedras, dos aplicadores de folhetas ao
forrar os caminhos e pátios da ilha?
O
mito da ilha também fala em tesouros ocultos, naufrágios e mistérios ainda não
desvendados.
Nos
arredores de Ilhabela aconteceram diversos desastres marítimos. Mais de cem,
lembra a história.
Muito
mais de cem, alerta o mito e a tradição oral.
Quando
começou a navegação pelas águas da ilha?
A
ilha da Vitória, a mais distante do arquipélago, guarda vestígios de antiga
ocupação indígena, sambaquis (concheiros) e cerâmicas.
Muito
antiga!
Pesquisas
arqueológicas recentes concluíram que pelo menos quatro ilhas do arquipélago
foram habitadas pelos homens pescadores e coletores do litoral, de origem pré-histórica
e certamente pré-cabralianos.
Com
tanta descoberta a ser feita, esta SEPARATA nasceu com vocação interativa.
Registram
algumas certezas, outras tantas incertezas e ainda deixa espaço para o leitor
diligente acrescentar a sua descoberta.
Fruto
de pouco mais de vinte e quatro meses de observações presenciais, de
descobertas estonteantes, do desvendamento do potencial ainda não explorado da
ilha, nada aqui é definitivo e tudo pode ser alterado.
Larry Coutinho
Em lugar de publicar um livro sobre Ilhabela, o estou oferecendo em capitulos, semanalmente, se Deus quiser. Aqui é uma especie de introdução, entratanto já estão escritas perto de oitocentas páginas, que serão regularmente editadas no blogue e no facebook.
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