domingo, 18 de agosto de 2013

Cinemas esquecidos - Crônicas da Cidade Plural.

                                Cine Belas Artes -   Rua da Consolação

Quando eu era menino, nas décadas de quarenta e cinqüenta, papai projetava filmes em casa, abrindo para a família o fabuloso universo da imagem em movimento e desvendando o mundo da fantasia.Primeiro papai comprou um projetor Kodak que mostrava filmes mudos na tela. Em geral eram desenhos do Walt Disney. Depois ele comprou um projetor Bell & Howell, com capacidade para filmes sonoros de 16 milímetros.

E as sessões de cinema doméstico adquiriram novo sabor, sepultando para sempre as novelas radiofônicas, as engraçadas histórias do Nhô Totico, e as leituras familiares dos livros de Alexandre Dumas.  Os três mosqueteiros, Vinte anos depois, O visconde de Bragelone...
Já era a imagem pegando pesado sobre a literatura e o radio.
As grandes produções de Hollywood podiam ser alugadas facilmente.
Entusiasmado, meu pai adquiriu uma filmadora Paillard Bolex, pensando talvez em realizar os seus próprios filmes.
Tirante as poucas imagens de férias em Poços de Caldas, a família na chácara do doutor Pacheco, o almoço na casa da minha-avó-que-morava-em-Niterói, nada mais foi feito, indicando que fazer cinema era bem mais complicado do que parecia.
O projetor de filmes também era utilizado para sessões secretas, vedadas aos menores.
Curioso, certa vez meu irmão espiou pelo buraco da fechadura da porta trancada e revelou assustado:
- Tem mulher pelada!
É claro que existiam os cinemas, que nós também freqüentávamos.
Cinemas? Quais cinemas e onde foram parar?

No primeiro volume do trabalho Memória Urbana, a Grande São Paulo até 1940, publicação que uniu o Arquivo do Estado, a Emplasa e a Imprensa Oficial, existem diversos depoimentos de imigrantes.
O ítalo-brasileiro Rômulo Carraro, entre outros interessantes assuntos, tratou de alguns cinemas existentes na cidade de São Paulo dos quais anteriormente nunca ouvi ninguém mencionar os nomes.
Eis alguns trechos da entrevista:
“(...) Onde hoje é o Buraco do Adhemar, havia o Cine Central e eu ia muito lá assistir o Tom Mix. No Martinelli havia o cine São Bento, que era  todo acarpetado de vermelho, o cinema mais sofisticado de São Paulo. Além desses, havia muitos outros, inclusive na praça João Mendes (...)”
 “(...) Mas o outro encontro da rapaziada era o cinema: o Cinema Mafalda, por exemplo, tinha sala de espera com orquestra para entreter as pessoas. Primeiro, havia o footing  na rua e depois todos iam ao cinema. E como os filmes eram mudos, havia as orquestras. Os filmes mais antigos eram feitos com o som sincronizado: o barulho do mar, por exemplo, era feito por um tambor cheio de pedregulhos que rodava; o som dos cavalos andando era feito por dois meio cocos que batiam na mesa. O primeiro filme falado que assisti foi “Sombra e Glória”,  falado em espanhol. E era acompanhado por disco. Acontece que muitas vezes o som não acompanhava o filme. Todos os dias passava um filme novo. E distribuíam, de casa em casa, com banda de música e tudo, o programa dos filmes que iam projetar. Era tempo de Carlitos, do Gordo e o Magro, do Chico Bóia (...)”
Quem não lembra do Charles Chaplin e da sua criação, “The Tramp”, o vagabundo genial, com as calças largas na cintura, botas e um chapéu ridiculamente pequeno? E do gordo e do magro, autores de formidáveis trapalhadas? Menos um pouco do Chico Bóia, eu reconheço, o nome brasileiro do personagem de Roscoe Conkling Arbuckle (1887-1933), o Fatty Arbuckle, que no filme da Keystone “A noise from the deep” mostrou a primeira torta na cara do cinema mundial. E nos dois filmes em que ele apareceu contracenando com Buster Keaton, o que nunca sorria: “Out West” (1918), e “O garoto açougueiro” (1917).
O “Martinelli” citado era naturalmente o edifício Martinelli, o marco da explosão industrial da cidade de São Paulo. Ele foi o maior edifício da América Latina, com vinte e cinco andares, cento e cinco metros e altura, duas mil cento e trinta e três janelas...
Entretanto a menção feita ao Cine São Bento parece equivocada.
Em que pese a boa vontade e a memória do senhor Rômulo Carraro, que situou o Central Cinema exatamente onde ele ficava, isto é, “ - Onde hoje  é o Buraco do Adhemar”, e eu acrescento,  no prédio da Companhia Antarctica Paulista, equivocou-se e confundiu  o Cinema São Bento com   o  Cinema Rosário.
Ao tratar do Martinelli em abril de 1971 a extinta Revista Realidade fala no Hotel São Bento e no Cinema Rosário, com entrada pela Avenida São João, e diz que foi inaugurado pelo Príncipe de Gales.
O Rosário sim ficava no prédio Martinelli, e era um dos cinemas mais luxuosos da cidade. O primeiro a possuir poltronas almofadadas e estofadas com couro. 
Todas as sextas feiras o Rosário exibia filme exclusivo da Metro, e era freqüentado  por figuras da alta sociedade paulista.
O Rosário não foi inaugurado pelo Príncipe de Gales, mas sim por Pires do Rio, Prefeito de São Paulo, em dois de setembro de 1929. Com direito a orquestra regida pelo maestro Gabriel Migliori e o filme “O Pagão”, estrelado por Ramon Navarro.
Talvez houvesse uma entrada pela Avenida São João, mas o endereço oficial do Cinema Rosário era Rua São Bento, 397.
O Cinema São Bento ficava na Rua São Bento, número 245.
Possivelmente o engano do senhor Rômulo Carraro decorreu da proximidade entre os dois cinemas.
O Cinema Rosário foi desativado no ano de 1945.
O também citado Cinema Mafalda, inaugurado em 1912, ficava na Avenida Rangel Pestana.

O Bijou Theatre, ainda não citado por ninguém, inaugurado em dezessete de novembro de 1907, talvez tenha sido o primeiro cinema de São Paulo.
Ficava na Rua de São João (atual Avenida São João).
Digo que o Bijou Theatre talvez tenha sido o primeiro cinema da cidade porque não posso esquecer as chamadas “câmaras óticas para divertimento público”, instaladas em São Paulo desde 1834, embora até 1897 o cinema não existisse em nenhum lugar do mundo, nem como indústria, nem como arte.
Entretanto, no final do século dezenove, o Salão Progredior fazia apresentações das “lanternas mágicas”, pequenos comerciantes compraram aparelhos de projeção cinematográfica e as “fitas” eram apresentadas em espetáculos de variedades. 
Volta e meia alguém alugava um precário salão e abria as bilheterias para exibições de pequenas “fitas”. 
Em 1898, em São Paulo, o Theatro Apolo, que de tempos em tempos descia à condição de cinematógrapho, apresentou a “Cia. Variedades Francesas do ilusionista Faure Nicolay”, uma espécie de cinema, em sessões que as más condições do sistema elétrico público costumavam interromper.
Somente com a construção da barragem no rio Tietê, em Santana do Parnaiba, e a instalação da primeira usina hidroelétrica é que foi garantida a continuidade das sessões cinematogáphicas, que começaram a se consolidar  como forma de entretenimento das classes sociais mais baixas.
Nossa reserva com relação ao pioneirismo cinematográfico do Bijou Theatre encontra apoio em certo texto da Emplasa, que afirma: “-Na Rua Boa Vista foi aberto o primitivo Teatro Santana, onde funcionou o primeiro cinema de São Paulo. O segundo - o Íris - funcionou na Rua Quinze de Novembro, cuja projeção era feita em tela molhada para maior nitidez da imagem.”.

Segundo Sylvio Floreal, no seu Ronda da meia-noite - vícios, misérias e esplendores da cidade de São Paulo - ninguém conseguia resistir à curiosidade despertada pelo cinema.
Entretanto, comenta Floreal:
“Ao lado de uma série de benefícios salutares, de incontáveis utilidades, que este gênero de diversões traz consigo, há uma infinidade de males e desvios morais inevitáveis, que exerce no ânimo popular, escancarado a toda a coisa abominável, um despotismo férreo.”
Sylvio Floreal aborda um subproduto, por assim dizer, da sessão cinematográfica vespertina, na cidade de São Paulo.
A bolinação no cinema.
Enquanto as estrelas davam beijos delirantes na tela, o “espectador casquilho, dotado de safardanices”, ia ao cinema e desenvolvia uma piratagem digitálica sem dó nem piedade, sobre certas fulanas do sexo mole, muito amigas das tais massagens feitas no escuro... Começava com umas encostadelas furtivas e ampliava a ação das mãos. Se houvesse estrilo, o bolinador mudava de lugar e recomeçava a prática com outra mulher.
E ficava sempre a questão: sabendo da bolina quase certa, porque as mulheres iam sozinhas ao cinema?

Além dos bolinadores, despontavam sempre as vozes anônimas, perdidas na escuridão das salas.
“Cochichos, meias-frases, palavras intencionais, que escondem obscenidades, são ditos por certos tipos inconvenientes, comentadores baratos que, em pleno recinto atulhado de espectadores, dão classicamente a prova mais berrante e ridícula da sua formidável burrice.”
E segue Floreal, falando da importância adquirida pelo cinema no ócio paulistano:
“Atualmente, São Paulo, desde a plebe que se desunha no trabalho afanosamente, até as classes que brunem ociosamente as unhas, morre de amores por dois gêneros de passatempo diametralmente opostos - cinema e futebol (...)”


Até a véspera espectador das peças teatrais, o freqüentador do cinema precisou aprender a nova linguagem.
Por exemplo, o tenebroso caso das cabeças decepadas.
Coisa jamais vista no teatro!
Para compreender o caso um pouco mais profundamente, vamos lembrar o José Guadalupe Posadas.
Posadas foi um dos mais célebres ilustradores dos corridos mexicanos, uma forma de poesia semelhante aos livretos de cordel do nordeste brasileiro.
Nos pequenos espaços destinados à ilustração, Posadas conseguia colocar bailes inteiros, correrias, perseguições em cavalos, e inúmeros outros temas referentes ao cotidiano das regiões mexicanas referidas nos textos.
As ilustrações de Posadas eram repletas de seres humanos, porém... todos eles na forma de esqueletos ou caveiras!
Quando ouvi falar nas cabeças decepadas que apareciam nos filmes de cinema do início do século vinte e soube a respeito das ilustrações de Posadas, procurei uma explicação elucidativa e mergulhei até ao fundo na obra de Massimo Canevacci, chamada Antropologia da comunicação visual.

Quanto às cabeças decepadas, nada de alarme, leitor amigo. Era o close-up.
Para quem não está ligando o nome à pessoa, é aquele momento em que na tela surge apenas a cabeça do ator ou da atriz, separada do corpo.
Acostumados com o corpo inteiro do ator no palco, ainda espectadores de teatro, os freqüentadores dos cinemas, no início do século vinte reagiam desfavoravelmente diante do close-up.
Era o momento em que o rosto passava a exercer importante função dramática.
Devia refletir medo, amor, alegria, terror ou qualquer outra expressão exigida pelo roteiro do filme.
Na medida em que o ator ou a atriz estavam tentando demonstrar alguns sentimentos humanos possíveis, na verdade criavam a máscara apropriada.
Agora, a melhor parte: a máscara provoca uma inquietude e uma fascinação que envolve praticamente toda a humanidade.
Não acostumados com a necessidade de interagir com a máscara, os espectadores de cinema daquele tempo sentiam enorme desconforto e às vezes reagiam com violência.
Sem dúvida atrás da máscara de quem a punha ou criava, estava certamente escondido um segredo.
Então nosso amigo Posadas em suas ilustrações nas folhas soltas dos corridos mexicanos, nos desvendou o mistério: atrás da máscara, lá no fundo, sempre está a caveira!
Aberto o caminho podemos seguir adiante.
Walter Benjamim, outro estudioso dos fenômenos humanos foi além.
Para ele, essa caveira-máscara é o rosto rígido da natureza
Afirma que é o valor escultórico que permanece, excluídos todos os sentimentos humanos que se foram com a carne dissipada.
Ou seja, o close-up, a cabeça decepada, é o momento em que a carne existente sobre o rosto rígido da natureza (a caveira) é capaz de expressar os sentimentos humanos, sendo a caveira a expressão zero.  
Apesar dos apupos e reclamações em voz alta dos espectadores do início do século vinte.
Os “Cochichos, meias-frases, palavras intencionais, que escondem obscenidades...” apontados pelo nosso bom Sylvio Floreal.

     A obra de Sylvio Floreal ainda nos brinda com uma fotografia do interior do Salão High-Life, por ocasião da primeira exibição das fitas do Kinema-Color, em 1913.
Cadeiras comuns e estreitas acolhendo multidão apinhada.
Mulheres ampliando suas figuras por meio de enormes chapéus tipo bolos-de-aniversário.
Homens usando palhetas, chapéus de feltro e até mesmo cartolas, infernizando a vida dos espectadores das fileiras posteriores.
E um lotado balcão em forma de U, situado à-meia-nau...


 O rio Tietê, com suas glórias e miséria, marcou o destino de Santana do Parnaiba desde muito cedo.
A montante da cidade havia uma queda d’água chamada de Cachoeira do Inferno.
Ali, no começo do século passado, entre 1900 e 1901, os engenheiros ingleses da The São Paulo Railway, Light and Power Limited, com o auxílio de 750 operários, 70 carroças, 100 burros e 400 bois de carro iniciaram a construção da barragem. 
O Brasil era governado por Campos Sales e à barragem seguiu-se a construção da Usina Hidroelétrica do Parnaiba.
Anos depois a barragem, que media 19 metros de altura e 275 metros de extensão, recebeu o nome de Edgard de Souza. 
As águas movimentavam as turbinas da primeira hidroelétrica da Light no Brasil, a maior construída até então.
Poucos anos depois a Usina já se revelava pequena em função da demanda da Capital paulista.
Foi ampliada em 1912, ano em que começou a funcionar a usina termelétrica a vapor, na Rua Paula Souza, em São Paulo.
A energia elétrica gerada em Santana do Parnaiba permitiu, em 6 de agosto de 1909, a exibição, no cine Bijou de São Paulo, de documentário produzido pela empresa Serrador e mostrando a festa de São Norberto, realizada em Pirapora do Bom Jesus alguns dias antes - 6 de junho de 1909, domingo - com a presença do Cardeal Arcoverde, dos bispos de Niterói, Campinas e Botucatu.
Pela primeira vez em imagens aparecia a igreja matriz de Pirapora em todo o seu esplendor.
Com a garantia do fornecimento mais ou menos regular da eletricidade, alguns teatros passaram a funcionar como locais de apresentação de “fitas”.
Desde 1908 o comerciante Francisco Serrador utilizava o teatro Eldorado como cinema.
O cine Bijou instalou-se no antigo Café Éden Teatro.
Outros teatros transformados em cinema foram o Paris Théatre, o Teatro Popular...
Muitas salas especialmente destinadas ao cinema foram aparecendo: no centro, os cines Avenida, Popular, Radium, São João, Odeon, High Life, Paulista, Palace,  e nos bairros, o Cine Barra Funda, Cine Barracão, o D. Pedro e o Ipiranga, no Ipiranga, e o cine Barra Funda, o Piratininga e  o Íris, no Brás.
No fim dos anos dez surgiram outros cinemas: o Cine Teatro Espéria, o Cine Éden, o Cine Guarani, o Cine Radium, na rua São Bento, o Cine Recreio, o Cine Bresser, o Cine Brás-Bijou, na Rangel Pestana, o Cinema Belém, o Cine Brás-Politeama, o Cinema São Pedro, na Barra Funda, os cinemas Ambrósio e Edilson, o Cine Pavilhão...
Mais adiante neste blogue tratarei do documentário cinematográfico presente nas primeiras décadas do século XX, e sua importância para a divulgação dos fatos acontecidos em Pirapora do Bom Jesus e Santana do Parnaiba.
Sigo tratando do reino das águas.
A Usina Hidroelétrica do Parnaiba pedia águas abundantes e regulares. 
Para garantir o bom funcionamento depois das obras de ampliação, foi construída a represa de Guarapiranga, em São Paulo.
Em 1925 foi construída a Usina Hidroelétrica de Rasgão, entre Pirapora e Cabreúva - ano em que entrou em operação.
Em 1926 entrou em operação a geradora da Usina de Cubatão (Usina Henry Borden).
Na década de 30, para aumentar a capacidade da Usina Henry Borden, os engenheiros  promoveram a retificação e a reversão de curso do rio Pinheiros, em São Paulo, e a formação do reservatório Billings.


Certo filme lançado em exibição pelo Cine República, em 10 de outubro de 1924, produção da Rossi Filme, era cine-jornal que sumariamente apresentava - Na terra de Itu - Paisagens de Pirapora - O batalhão Hilário de Freitas - Aspectos da grande corrida automobilística São Paulo - Ribeirão Preto - Inauguração da Exposição de Estradas de Rodagem. Em 14 de outubro do mesmo ano o Cine República apresentou o documentário sobre a Inauguração da Exposição de Automóveis.
A filmagem da corrida de automóveis entre São Paulo e Ribeirão Preto foi a primeira entre as transmissões esportivas do gênero.
E o cine-jornal, aproveitando a deixa, completou a informação mostrando a evolução das estradas de rodagem do Estado e a inauguração da exposição dos novos automóveis de 1924-1925. 
Aqueles filmes primitivos foram certamente conseqüência do que aconteceu de 1907, em 19 de junho, a bordo do paquete francês Brasil.
Algumas imagens da baía da Guanabara foram filmadas.
Foi o primeiro filme feito no Brasil.

Graças a Santana do Parnaiba a luz elétrica chegou a São Paulo.
O Teatro Sant’Anna antes servido por bicos de gás trocou de sistema, e em 21 de abril de 1900 mostrou a casa toda iluminada por energia elétrica.
Foram colocadas quinhentas lâmpadas em todo o edifício

Depois de dois anos de atividade, o Bijou Theatre apresentou uma novidade: o cinematógrapho cantante.
Em São Paulo entre 28 ou 29 de julho de 1909 deu-se a estréia da nova técnica.
Ainda não era o filme falado.
Em 1909 o filme de cinema continuava mudo como dantes, porém, atrás da tela colocava-se a orquestra e os cantores, que acompanhavam a viva voz o transcorrer da ação cinematográfica.
O cinematógrapho cantante competia com as apresentações teatrais por ser o ingresso consideravelmente mais barato.
A primeira seção do cinematógrapho cantante deu-se, salvo erro ou omissão, no Cine Bijou, onde a artista dona Claudina Montenegro e o barítono Pepe mostraram suas belas vozes.
Existe registro da sessão do dia 29 de julho, com a apresentação da canção “Café de Puerto Rico”, que sucedeu à sessão do dia 28, sobre a qual nada sei.
O Bijou Theatre durou apenas seis ou sete anos e acabou em 1914 quando o prédio foi demolido.
E o cinema sonoro, falado, só chegou depois (The Jazz Singer, filme de 1927)
O cinematógrapho cantante teve o mérito de abrir  para os paulistanos uma série bem grande de canções estrangeiras que dominaram o panorama musical da cidade por bom tempo.
Até mesmo neste abençoado ano de 2012 alguns tenores apresentam em seus espetáculos trechos musicais, árias e canções que aqui pela terrinha tiveram suas primeiras apresentações nas seções de cinema cantante.
Alguns registros: Ci-ri-bi-ri-bin, Torna a Sorrento, a Canção da Viuva Alegre... e  segue uma pequena relação de canções apresentadas na época.
A modalidade cinematógrapho cantante logo foi adotada por dois outros cinemas: o Radium e o Smart, sobre os quais sei apenas o que consta nos registros abaixo:

“A viuva alegre” (I).
Filme: filme brasileiro em 3 atos.
Intérpretes: cantores da Companhia Lahoz, acompanhada pela excelente orquestra dirigida pelo professor Gonçalves.
Lançamento e programação: São Paulo. (Cine) Radium, de 2 a 8,12,13 e 15-08-09; 07-09-09; 17-10-09; 01-10-10, 25 e 26-07-10; 24-10-10.  (Cine) Smart, 25-04-12.
                                                -o-
“A viúva alegre” (II).
Filme: Cantante. Empresa Serrador.
Intérpretes: Ismênia Mateus, Santucci e Cataldi.
Lançamento e programação: Rio de Janeiro. Cinema Rio Branco. Mais de 300 apresentações. Posteriormente, “tournée” em São Paulo. Politeama Concerto, 30 e 31-12-09. Bijou Theatre, 11,15 e 16-01-10.
Comentário: “Valsa da viuva alegre” (“Die lustig witwe walzer”) (valsa), Franz Lehar
Foi a música de carnaval mais cantada em 1910, adaptada ao ritmo de marcha

Eis a relação de algumas canções apresentadas pelos cinematographos cantantes em São Paulo, em 1909: “Café de Puerto Rico” - “Cavalaria rusticana” - “Chateau Margaux” -  “Ci-ri-bi-ri-bi” - “Crispino e La Comare” - “Dueto da Mascote”  - “Dueto de amor da viúva alegre” -  “Duo de la africana” - “Duo de los patos” - “El barberillo de Lavapiés” -  “Guitarrico” - “L’adieu du matin” - “La educanda di Sorrento” -  “La farfala” - “Las sapatillas” -  “Legenda vallaça” - “Os aventureiros” - “Racundite harmonie” - “Torna a Sorrento”  - “Tui tui”
Eram canções populares, árias de operas e trechos de operetas populares na época.

Sei que tudo isso pode parecer distante  e irreal, uma vez que atualmente basta um simples DVD  colocado displicentemente  na maquina apropriada para assistirmos em som estereofônico, a cores, em 3D, qualquer filme que assim seja produzido pela industria cinematográfica, sem sair de casa e acomodados em nossas poltronas favoritas.
E sei que aguardamos a chegada dos filmes holográficos, momento em que a ação será toda no espaço da nossa sala, sem telas...
Porém estamos a tratar dos velhos cinemas de São Paulo:
Cinematographico Migon, inaugurado em 1908, ficava no largo do Mercado, próximo à atual Rua Brigadeiro Tobias.
Atos do Liceu (padres salesianos), inaugurado em 1909. Na Alameda Nothmann, nos Campos Elíseos. Utilizava nas projeções um cinematógrapho aperfeiçoado Pathé.
Polytheama Concerto - apresentava espetáculos, musica e cinema. Comprado em 1911 por Francisco Serrador. Depois mudou o nome para Polytheama Paulista. Situava-se na Rua de São João com a rua Anhangabaú. Destruído por incêndio em 1914.

Para quem gosta de tudo bem explicadinho, nos mínimos detalhes, informo que o Polytheama exibiu filmes com os seguintes aparelhos:
-Biographo Americano (1902);
-Grand Cinématograph Franco-Brèsilien, da empresa Didier - cinema ambulante (1908);
- Cinematógrapho cantante (1909);
-Cinemacantante de Edison (1914);
-Kinetophone (1914);
-Cinematógrafo Warwick.

Follies Bergère - um café-concerto que eventualmente passava filmes.  Ladeira Santa Ifigênia, 7. Inaugurado em 3 de novembro de 1914.
Cine Alhambra. Inaugurado em vinte e um de julho de 1928. Rua Direita, 33 (atual 223).

Na década de cinqüenta ir ao cinema exigia certa preparação.
Para os homens o traje era terno completo e gravata.
As mulheres quase sempre entravam acompanhadas. Alguns cinemas não permitiam mulheres desacompanhadas.
Os cinemas se tornaram  grandes e confortáveis.
O Metro, na Avenida São João, tinha o Pullman, um espaço reservado no primeiro andar, onde se pagava mais caro.
Outros cinemas elegantes foram o Ipiranga, o Marabá e o Marrocos.
Ainda no centro, as salas do Alhambra, na Rua Direita, do Cine República, do Coral, do Olido, do Paissandu, que eram luxuosas, e do Cine Santa Helena, na Praça da Sé e do Recreio, na Quintino Bocaiuva, que não exibiam tanto luxo, mas atraiam grande público.
As noites dos anos cinqüenta começavam pelos cinemas e bomboniéres,  passavam pelas livrarias, casas de discos, leiterias, restaurantes e podiam terminar em boates  ou em bares.

Vistos os primórdios, fui ao Arquivo do Estado pesquisar, nos jornais, os nomes de alguns dos cinemas existentes no centro da cidade de São Paulo entre 1950 e 1970, que muitos consideram ser talvez a época dourada dos remanescentes do grande sonho cinematográfico.
 O resultado está na lista abaixo:

Apolo - Rua Conselheiro Nébias.
Arizona - Avenida Rio Branco.
Art Palácio - na Avenida São João. Largo do Paissandu.
Atlas - Avenida Rio Branco, 300.
Áurea - Rua Aurora, 522
Barão - Rua Barão de Itapetininga.
Boulevard - Rua Antônio de Godoy, 83.
Broadway - Avenida São João.
Cairo - Rua Formosa, 401.
Centenário - Avenida Guilherme Cotching.
Cinemundi  -  Praça da Sé, 259.
Climax - Rua Espírito Santo, 330.
Cometa - Rua Aurora, 541.
Comodoro - Avenida São João, 1462.
Coral - Rua 7 de Abril  - filmes de arte (europeus) de propriedade de Dante Ancona Lopes, mais tarde ele abriria o cine Belas Artes, fechado recentemente.
Éden - Avenida São João, 1140.
Esplanada - Praça Julio de Mesquita, 33
Europa - Rua Joaquim Gustavo, 40.
Gazeta - Avenida Paulista.
Ipiranga - Avenida Ipiranga, 786. Havia o Pullman, uma espécie de confortável mezanino. Subia-se de elevador.
Itamarati - Rua Barão de Tatuí, 804.
Jóia - Praça Carlos Gomes, 82.
Jussara -  na Rua Dom José de Barros, 306.
Líder - Rua Conselheiro Nébias, 197.
Los Angeles - Rua Aurora, 501.
Marabá - Avenida Ipiranga, 757.
Marrocos - Rua Dom José de Barros, quase ao lado do antigo                                 Quartel-General do segundo Exército. Entrada monumental.
Metro - na Avenida São João, 801.
Metrópole - Praça Dom José Gaspar, 134.
Miami - Praça Marechal Deodoro, 340.
Moderno - Rua da Mooca, 2224.
Mônaco - Avenida Rio Branco, 61.
Monark - na Avenida Brigadeiro Luís Antônio.
Nikkatsu - Rua São Joaquim, 129
Nipon - Rua Santa Luzia, 84.
Niterói - Rua Galvão Bueno, 102.
Normandie - na Avenida Rio Branco, 425.
Oásis - Praça Julio Mesquita, 117.
Odeon - com três salas de projeção: Sala Verde, Sala Vermelha, Sala Azul
Olido - Avenida São João.
Ouro - Largo Paissandu, 138.
Paissandu - Largo Paissandu, 60
Pedro II - Rua dos Timbiras, 144
Pigale - Largo do Arouche, 426.
Radar - Avenida Santo Amaro, 525.
Regência - Rua Augusta, 973.
Regina - Avenida São João, 1140.
República - Praça da República, 365.
Rio Branco - Avenida Rio Branco, 500.
Rivoli - Avenida São João, 587.
Saci - Avenida São João, 425.
Santa Helena - na Praça da Sé, 261 (antigo teatro). O edifício foi implodido para a construção da estação Sé do Metrô.
Scala - Rua Aurora, 720.
Windsor - Avenida Ipiranga, 974, esquina da Rua Amador Bueno.

Eram cinemas que anunciavam os filmes nos jornais.
O cine Broadway, que não existia mais na época da nossa pesquisa, teve o nome ligado a diversos assuntos fora do meio cinematográfico.
Pertencia à família César dos Reis, que também era proprietária do castelinho da Rua Apa.
Um dos irmãos decidiu transformar o cinema em pista de patinação, foi impedido pela mãe e pelo irmão, e cometeu duplo assassinato e o suicídio, na versão apresentada pela polícia.
O Cine Teatro Broadway inaugurou suas atividades em  1934 e a exemplo do Palais de Glacê, que existia em Buenos Aires desde 1910, o Broadway tinha no teto uma grande cúpula de vidro.
Era um grande espaço com 1661 assentos, e servia também para outros cometimentos, além do cinema.
Foi o principal lançador de filmes da mexicana Palmex. No início exibia filmes da RKO Radio e da UFA, a exemplo do UFA-Palácio  também na avenida São João, mais tarde Art-Palácio.
Entre 1940 e 1961 o exibidor foi a Companhia Serrador.
Em 1970 o prédio foi demolido.
Outra função desempenhada por alguns cinemas de São Paulo foi a de acolher os astros e estrelas cariocas, cantores e cantoras do rádio, quando vinham atuar em São Paulo.
Cinemas da Avenida Ipiranga e Avenida São João transformavam-se em palco radiofônico da música popular brasileira e de seus grandes nomes.
Assim foram utilizados o Metro, da Avenida São João, e o Art-Palácio, quando ainda era Ufa-Palácio.
Também o cine Broadway serviu e palco para os artistas da era da rádio.
O cine Broadway era grande e acolhia centenas de radio-ouvintes, mas não o suficiente para atender à demanda, e assim as proximidades do cinema, na Avenida São João, ficavam repletas de pessoas que não conseguiam ingresso.

Hoje todos aqueles grandes cinemas são estacionamentos, depósitos ou igrejas, e aqueles cinqüenta e tantos cinemas do centro velho de São Paulo não existem mais.
 É preciso reconhecer que na relação não foram considerados os inúmeros cinemas dos bairros.
  Havia cinemas em todos os bairros, inclusive em Santana, Penha e Pinheiros.
Em 1925 foi instalado o primeiro cinema de Pinheiros, no salão paroquial, ao lado da Igreja Matriz.
  Em 9 de julho de 1927 foi inaugurado  o Cine Pinheiros, na Rua Butantã, e assim por diante.
Para não ficar a melancólica visão de uma cidade que perdeu todos os seus cinemas, é possível trazer alvíssaras, boas notícias, e arejar o ambiente.
Porque os cinemas de São Paulo não desapareceram.
Transformaram-se, e estão pela cidade inteira, em shoppings, cineclubes, algumas salas “de rua”, localizadas no centro, nos bairros e na Grande São Paulo.
O conceito de Grande São Paulo ampliou nos mapas a mancha urbana que já existia de fato, englobando diversos municípios vizinhos e muitos bairros distantes do centro.
Em junho de 2012, munido de paciência e de uma simples máquina de calcular, fiz um levantamento dos centros culturais, salas de cinema e poltronas disponíveis na São Paulo atual.
Entre cineclubes, salas especiais, cinemas de rua (centro e bairros), shoppings e a Grande São Paulo, a população paulistana conta com 68 centros culturais (shoppings e assemelhados), 414 salas de cinema e 79.732 poltronas.
Considerando a média de quatro sessões diárias, as salas de cinema de São Paulo diariamente colocam à disposição do público, 318.928 poltronas.
Ou seja, em que pesem as novelas na TV, os DVD’s, os espetáculos teatrais, as apresentações musicais, o futebol e os eventos especiais, o cinema paulistano ainda mantém seu posto na preferência popular e sustenta a posição com dignidade.  
Confortáveis, inúmeros cinemas estão equipados com ar condicionado e projetores de última geração. 
Outros poucos ainda já fazem projeções em 3D.
Nada mau para a rapaziada que há pouco mais de oitenta anos ia fazer o footing, namorar e assistir o Tom Mix no Cine Mafalda!
Ou então, recuando um pouco no tempo, freqüentava o Salão Progredior para assistir as apresentações das  assombrosas “lanternas mágicas”.

Sugestões para saber muito mais:
-Simões, Inima - “Salas de Cinema de São Paulo”, 1990.
-Araujo, Vicente de Paula - “Salões, circos e cinemas de São Paulo” - Ed. Perspectiva, 1981.
-Santarelli, Atilio - “Cinemas Antigos do Brasil”, Fotoblog.
     -Floreal, Sylvio. “Ronda da meio-noite - vícios, misérias e esplendores da cidade de São Paulo”. São Paulo. Editora Paz e Terra. 2003 (1a. edição em 1925).
    -Bibliografias complementares, especializadas: basta solicitar ao autor por e.mail

Larry Coutinho


Texto parcialmente planejado e executado no leito 5 da Unidade Coronária do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, entre os dias 6 e 10 de julho de 2012.