São Paulo é um aglomerado de pequenas cidades do interior, às vezes até mesmo de aldeias de diversos países, que se juntam graças às avenidas que as ligam e sobra a impressão de ser uma única cidade colossal. Por sua vez, os pequenos bairros colocam-se em camadas diferentes do tempo. Alguns vivem no futuro, outros no século dezenove ... e cada um espia o outro!
sexta-feira, 4 de abril de 2014
A Copa do Mundo,Hino Nacional Brasileiro - Crônicas da Cidade Plural
Dentro de alguns dias a pátria vestirá chuteiras e iniciaremos o ciclo mundial do futebol.
Antes e durante a Copa das Confederações assistimos o inusitado: - o povo presente ao estádio a cantar o Hino Nacional Brasileiro mesmo depois de a orquestra haver parado. Era a segunda parte, a que faltava!
Estranha compulsão, espécie de osmose, que carrega multidões para o futebol, e do futebol para o patriotismo da bandeira e do Hino Nacional, símbolos sagrados da pátria.
Hino Nacional? O que é, e de onde vem?
Quando comecei a trabalhar como coordenador numa Faculdade de São Paulo, aonde eram ministrados diversos cursos universitários, precisei lidar com centenas de professores.
Os resultados dos exames vestibulares revelaram carências na formação básica dos alunos aprovados. Assim foi proposto e implantado o chamado Ciclo Básico. O curso ministrava aulas de português e de matemática, obrigatórias para os alunos de primeiro ano de todos os cursos.
Escritor de boa reputação, um dos professores de português resolveu testar a minha formação. Perguntou-me quem era o tal de Gottschalk, cuja música o personagem de Raul Pompéia ouvia enquanto o Ateneu queimava devorado pelo incêndio.
Suspeitei desde o início que o tal professor conhecia muito bem a resposta, e brincava comigo. Respondi francamente que não sabia.
Procurei O Ateneu e reli toda a descrição do incêndio. Nada de Gottschalk! Finalmente havia ligeira referência, uns capítulos antes do fogo.
Como escritor, eu gostaria de ter engendrado qualquer um dos parágrafos do Raul Pompéia, mestre maior.
Encontrei o que eu procurava exatamente no inicio do capítulo XII.
“Música estranha, na hora cálida. Devia ser Gottschalk. Aquele esforço agonizante dos sons, lentos, pungidos, angustia deliciosa de extremo gozo em que pode ficar a vida porque fora uma conclusão triunfal. Notas graves, uma, uma; pausas de silêncio e treva em que o instrumento sucumbe e logo é dia claro de renascença, que ilumina o mundo como o momento fantástico do relâmpago, que a escuridão novamente abate. Há reminiscências sonoras que ficam perpétuas, como um eco do passado. Recorda-me às vezes o piano, ressurge-me aquela data.”
Na enfermaria do Ateneu deserto o personagem convalescia do sarampo. Foi o momento da música de Gottschalk, e não do incêndio que eclodiria logo em seguida.
Notas longínquas, murmúrios distantes trazidos pelo vento.
Somente depois que a música cessou é que começou o incêndio.
Não existe aquela cena dantesca das enormes línguas de fogo sendo acompanhada pela música marcial, viril, e arrebatadora.
Raul Pompéia poderia ter caminhado por esta conclusão, mas não o fez.
Ah! Que safado saiu-me o professor, agora eu sei!
Três ou quatro anos depois, numa incursão a um sebo, encontrei um disco LP cuja grande capa quadrada alardeava: “ Fantasia sobre o Hino Nacional Brasileiro”, piano, Louis Moreau Gottschalk.
Gravei o conteúdo numa fita cassete e transportei o material para a Faculdade, para mostrar “a música de Gottschalk” ao professor de português.
O professor chamava-se Martinho Lutero, e aquele nome próprio mantinha-me, mais do que a pergunta feita, em estado de permanente atenção. Devo confessar que me sentia Papa, sempre à espera de contestações e de reformas. Porém, para minha surpresa, grande pena e certo alívio fui informado de que Martinho Lutero não lecionava mais naquela instituição.
Quanto a Gottschalk, desvendava-se o mistério, lentamente.
Corri para obra de Edoardo Vidossich, “Sincretismos na música afro-americana”.
Quem sabe, não é?
E lá estava no capítulo “Influência dos ritmos primitivos na música erudita”.
“Gottschalk seria o iniciador de uma escola de compositores americanos que, tentando livrar-se do velho ritmo europeu, uniforme e simétrico, partiram para experiências que, na época, foram consideradas revolucionárias, devido ao emprego de um folclore nacional e exploração de temas, elementos rítmicos e coreográficos diferentes.”
Tratava-se de pianista, orquestrador, regente, compositor e concertista norte americano, nascido em Nova Orleans em 8 de maio de 1821, e falecido no Rio de Janeiro aos 48 anos de idade, em 1869, atacado pela febre amarela.
Musico classificado por Gilbert Chase na categoria de “periferia exótica”.
Segundo Vidossich, Gottschalk teria sido o precursor da forma pianística do ragtime. Porém o que é ragtime?
Em definição simples trata-se de música caracterizada por melodia sincopada sobre um acompanhamento regularmente acentuado.
Parece que a expressão ragtime antecedeu a palavra jazz.
No sentido mais estrito, o ragtime é um estilo musical ao piano, criado em fins do século dezenove.
Apareceu primeiramente nos palcos de casas de shows freqüentadas por negros.
Então Gottschalk não foi o precursor, mas aproveitou a invenção dos negros.
Ou foi o contrário?
Talvez um dos precursores.
De 1896 a 1917 foi a forma musical mais popular nos Estados Unidos, portanto Gottschalk, falecido em 1869, não acompanhou o apogeu do ragtime.
A expressão ragtime surgiu de ragged time, que significa tempo fragmentado, ou tempo dilacerado, referindo-se à melodia sincopada e ao ritmo de contra tempo.
Mostrava toque acentuado nos registros baixos do teclado (tempo forte) e um acorde num registro mais agudo (tempo fraco), ao passo que a mão direita executava o tema e as variações.
Andamentos marciais, com 16 ou 32 compassos, incluindo dois ou três temas diferentes.
Era música vocal e instrumental, mas hoje o ragtime vocal confundiu-se com a música popular, e o ragtime de piano manteve a forma original e tornou-se elemento importante do jazz instrumental.
No começo do século o ragtime imperava em salões chamados Barrel-house.
O Barrel-house tem o seu equivalente no Honky-tonk, antigo cabaré de má reputação.
Barrel-house, Honky-tonk e ragtime costumam indicar o mesmo estilo de piano usado pelos autênticos jazzistas, a maneira peculiar de interpretar temas sincopados.
Quando Gottschalk nasceu em Nova Orleans, a cidade era um caldeirão onde se misturavam diferentes culturas. A anglo-americana, a francesa, e espanhola, a negra... Em sua própria casa Gottschalk via o pai, inglês descendente de alemães, meio judeu, e a mãe francesa. Precoce, aos 12 anos foi estudar música em Paris, e aos 13 dava concertos.
Excelente intérprete, ele começou a compor muito cedo.
E fez o que então nenhum compositor erudito fazia: - transpôs para a música e para a canção eruditas temas tirados do rico folclore da Luisiana e das Antilhas.
Observador atento da música negra da Luisiana prosseguiu com a linha adotada nas viagens que fez pelas Antilhas e pelo Brasil, além de outras repúblicas latino-americanas.
As suas composições da época, “Pasquinade”, “La Bananier”, “Chanson Nègre”, “La Savane”, “Le Banjo”, “La Bambula” revelam essas influências, além de grande semelhança com o estilo dos primeiros grandes ragtimers posteriores, Scott Joplin e James Scott.
Mais tarde e a exemplo de Gottschalk, Joplin e Scott tentaram levar o folclórico para a musica erudita, através das óperas “A Guest of Honour”, “Treemonish” e “The Fascinator”.
Gottschalk, em sua obsessão de mesclar sincreticamente diversas tendências e culturas, notadamente a afro-anglo-americana, certamente abriu caminho para o próprio Dvorák , que no final do século dezenove descobriu a inspiração nas “plantations melodies”, e miscelânea das criações de ex-escravos compõem sua sinfonia “Novo Mundo”.
A “Sinfonia do Novo Mundo” foi composta nos três anos em que o checo Anton Dvorák trabalhou como diretor do Conservatório Nacional de Música dos Estados Unidos, em Nova York..
Embora Dvorák tenha sempre negado qualquer influência na “Sinfonia do Novo Mundo” que não as clássicas e antigas formas européias.
A peça estreou com triunfo imediato no Carnagie Hall em dezembro de 1893.
Inúmeros outros conceituados compositores receberam a influência do método adotado por Gottschalk, e do seu ragtime.
Prosseguir nessa direção afastaria a razão principal deste meu escrito, por isso menciono apenas Morton Gould, Aaron Copland - cujo único pecado foi chamar de “Salón México” sua obra de inspiração cubana. - e finalmente, George Gershwin (Summertime, só para lembrar), sobre o qual já tratamos neste blogue.
Nem sequer falo na trajetória de Gottschalk até 1865, ano em que ele abandonou precipitadamente a Califórnia por causa de uma mulher.
Interessam-me, e interessaram ao escritor Raul Pompéia, ao Imperador D.Pedro II e ao professor Martinho Lutero os sete meses e meio que Gottschalk passou no Brasil, os últimos da sua vida.
Se os sete meses não dão samba, certamente dariam mini-série daquelas caprichadas, da TV Globo.
Curto tempo vivido furiosamente, entre mirabolantes e vencedores projetos, seus maiores triunfos.
Triunfos brasileiros daquele musico norte-americano classificado como “periferia exótica”.
Numa carta a um amigo de Boston, Gottschalk contou:
“Minhas apresentações aqui são um verdadeiro furor. As entradas estão esgotadas com oito dias de antecedência. O Imperador, a família real e a corte não perderam um só dos meus concertos. Sua Majestade me tem recebido diversas vezes em seu palácio. O Grande Oriente da Maçonaria me ofereceu uma recepção solene. O entusiasmo com que tenho sido recebido aqui é indescritível. No último concerto, fui coroado em cena pelos artistas do Rio”.
Em 10 de maio de 1869 Gottschalk desembarcou no Rio de Janeiro (dois dias depois de completar quarenta anos).
O Teatro Lírico Fluminense anunciou o seu primeiro concerto em três de junho.
Sucesso absoluto. Casa cheia, com a presença do Imperador.
Porém o melhor ainda estava por vir.
Para outubro Gottschalk caminhava em direção à apresentação de um concerto-monstro, talvez o maior jamais tentado por qualquer maestro até então.
O Imperador dera a Gottschalk jurisdição total sobre as bandas do Exército, Marinha, e Guarda Nacional.
Feitas as contas, Gottschalk tinha sob suas suaves ordens 62 tambores, 55 cordas, 16 bumbos, 6 flautas, 11 flautins, 65 clarinetas, 60 trompetes, 60 trombones, 55 bombardinos, 50 tubas e trompas, agrupadas em noves bandas da Guarda Nacional, quatro da Marinha Imperial, uma do Exército, outra do Arsenal de Guerra, uma orquestra de setenta professores, duas orquestras alemãs, e alguns canhões.
Eram seiscentos e cinqüenta músicos, todos à espera das suas partituras.
Gottschalk e onze copistas prepararam as partituras. Manualmente, como era possível na época.
Entretanto o recorde quantitativo de Gottschalk seria quebrado, três anos depois (em 1872), pelo maestro Johann Strauss II, ao reger, em Boston, uma orquestra de mil instrumentos e um coro de vinte mil vozes na execução de O belo Danúbio Azul.
E certamente não se sustentaria diante do coro de dezenas de milhares de vozes dos mineiros de carvão, cantando a Aleluia, de Handel, feito devidamente registrado em disco pelas companhias gravadoras.
Em agosto o maestro Gottschalk sofreu um ataque de febre amarela e foi obrigado a convalescer em Valença (RJ).
O concerto-monstro estava programado para o dia 24 de novembro. Gottschalk estava de novo doente, mas não abandonou o embate. Foi o último ato do maestro.
Centenas de músicos, uniformes, flores, estandartes, publico seleto, tudo iluminado por bicos de gás e atmosfera de mil e uma noites.
Foram apresentados temas de Fausto e do Carnaval em Veneza, depois o andante da sinfonia La Nuit des Tropiques, e a Grande Tarantela, ambas do próprio Gottschalk.
O gran finale foi a Marcha Solene Brasileira.
Composta para a ocasião destinava-se a orquestra e banda marcial e incluía o efeito guerreiro das salvas dos canhões, antecipando-se assim por 13 anos à célebre Abertura 1812, de Tchaikovsky.
Novo concerto-monstro foi programado para o dia vinte e seis de novembro.
Nele, enquanto tocava peças ao piano, Gottschalk teve um colapso em pleno palco
Internado imediatamente faleceu em 18 de setembro.
No Rio de Janeiro seu enterro foi monumental.
Na Marcha Solene Brasileira estava contida a Grande Fantasia Triunfal sobre a Marcha Triunfal, composta em 1822 por Francisco Manuel da Silva (1795/1865) para comemorar a Independência, e que seria o Hino Nacional Brasileiro em 1890.
A Marcha Triunfal, sem letra, nascera com partitura para banda.
A variação composta por Gottschalk agradou ao imperador D. Pedro II.
E agradou ao imperador porque a Marcha Triunfal era sua velha e querida conhecida.
Desde os anos 1830, especialmente em sete de abril de 1831, quando, reunida a tropa, certo general acompanhado pelo seu Estado-Maior leu em frente aos homens o Decreto pelo qual Dom Pedro I declarava haver abdicado na pessoa do seu augusto filho.
Em sete de abril de 1831 a Marcha tornou-se popular na abdicação de D. Pedro I.
Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva escreveu a primeira letra, cantada no cais do Largo do Paço, no Rio de Janeiro.
A Marcha recebeu o nome de “Sete de Abril”.
Eis a primeira estrofe:
Os bronzes da tirania
Já no Brasil não ronquejam
Os monstros que o escravizaram
Já entre nós não vicejam
(...)
Era Marcha ainda sem letra oficial, e durante todo o Império nenhum Decreto o oficializou como Hino Nacional Brasileiro, o que somente aconteceu em 1890, no segundo ano da República.
Na verdade a Marcha Triunfal / Hino Nacional Brasileiro teve três letras distintas, ou talvez quatro.
A primeira foi feita por ocasião da abdicação de D. Pedro I e cantada pela primeira vez em sete de abril, festejando a partida da família real para Portugal. Atribuída a Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva, a letra episódica era ruim e mal feita.
A segunda letra foi escrita em 1841, para saudar e festejar a coroação de D. Pedro II. Não se sabe o nome do autor destes segundos e bajulativos versos.
Eis a primeira estrofe da nova letra na coroação de D. Pedro II:
Negar de Pedro as virtudes,
Seu talento escurecer
É negar como é sublime
De a bela aurora o romper
(...)
Finalmente em 1909 entrou em Discussão no Congresso o Projeto de Letra para o Hino Nacional, considerando o poema de Joaquim Osório Duque Estrada. Tratava-se da terceira letra, ainda uma proposta para o Hino Nacional.
O governo de Epitácio Pessoa pagou cinco contos de réis pela música, e a terceira letra, de Joaquim Osório Duque Estrada, foi apreciada pelo Congresso Nacional.
Durante a demorada tramitação no Congresso, a letra do Hino Nacional sofreu alterações promovidas pelo próprio autor, e assim, a quarta letra foi aprovada como letra oficial do Hino Nacional Brasileiro somente em 1922, ano em que se comemorou o centenário da Independência.
Desde 22 de setembro de 2009 o Hino Nacional Brasileiro é canto obrigatório, uma vez por semana, em todas as escolas públicas brasileiras de ensino fundamental.
Entretanto, a figura de Sigismundo Neukmomm costuma passar despercebida no cenário musical brasileiro.
Quem foi este maestro tão ligado às sonoridades pátrias?
Tratava-se de compositor austríaco que em 1815 recebeu a incumbência de programar a parte artística do Congresso de Viena, reunindo na capital austríaca praticamente todas as cabeças coroadas da Europa.
Politicamente o Congresso de Viena redesenhou todas as fronteiras da Europa, já livres de Napoleão Bonaparte.
E artisticamente permitiu, nos salões, a introdução de um novo gênero musical até então proscrito: a valsa, dança de pares, considerada indecente e vulgar.
Audaciosamente Sigismundo Neukmonn levou-a e deu-lhe posição de relevo durante o Congresso.
O mesmo Sigismundo Neukmmon, no ano seguinte (1816) fixou residência no Brasil.
Aqui, foi professor de composição do Príncipe Real D. Pedro I, de piano da Princesa Dona Leopoldina, Arquiduquesa da Áustria e nossa primeira Imperatriz, e ainda professor de composição e de piano de Francisco Manoel da Silva.
No Rio de Janeiro Joaquim Manoel da Câmara compunha com sucesso as suas modinhas.
Entusiasmado com o que ouviu, Neukmmon harmonizou vinte modinhas de Joaquim Manoel e mandou imprimi-las em um álbum, em Paris.
Também trouxe a desconhecida valsa para a corte brasileira, e deixou inegável presença e perfumes em nossos hinos mais queridos.
Pois seus alunos de composição, D. Pedro I e Francisco Manoel da Silva foram respectivamente os autores do nosso Hino da Independência e da Marcha Triunfal (mais tarde Hino Nacional Brasileiro).
E agora, a entrada dos generais da revolução de 31 de março de 1964.
Tomado o poder brasileiro, já no dia primeiro de setembro de 1971 era publicada a Lei número 5 700, que dispunha sobre a forma e apresentação dos Símbolos Nacionais e dava outras providências.
Assim, o Artigo primeiro, parágrafo segundo, dava como Símbolo Nacional inalterável o Hino Nacional..
Qual Hino Nacional?
O artigo sexto explicava: O Hino Nacional é composto da música de Francisco Manuel da Silva e do poema de Joaquim Osório Duque Estrada, de acordo com o que dispõem os Decretos n. 171, de 20 de janeiro de 1890, e n. 15 671, de 6 de setembro de 1922, conforme consta dos Anexos números 3, 4, 5, 6 e 7.
E o Parágrafo Único do mesmo Artigo, acrescentava:
A marcha batida, de autoria do mestre de música Antão Fernandes, integrará as instrumentações de orquestra e banda, nos casos de execução do Hino Nacional, mencionados no Inciso I do artigo 25 desta Lei, devendo ser mantida e adotada a adaptação vocal, em fá maior, do maestro Alberto Nepomuceno.
A Seção II, Do Hino Nacional, em seu Artigo 24, dizia:
A execução do Hino Nacional obedecerá as seguintes prescrições:
I - Será sempre executado em andamento metronômico de uma semínima igual a 120 (cento e vinte).
II- É obrigatória a tonalidade de si bemol para a execução instrumental simples.
III- Far-se-á o canto sempre em uníssono.
E seguia a Lei, disciplinando a apresentação do Hino Nacional Brasileiro em seus mínimos detalhes.
Para quem não concordasse com as limitações impostas pela Lei, estabeleceram-se as penalidades: multa igual a quatro vezes o maior salário mínimo em vigor no país, que poderia ser convertida em detenção, na forma da Lei Penal, ao critério da autoridade policial.
No glorioso ano de 1973, uma consulta anônima feita à Comissão Nacional de Moral e Civismo pediu a proibição da Grande Fantasia Triunfal de Gottschalk sobre a Marcha Triunfal (Hino Nacional Brasileiro), em face do desrespeito à Lei número 5700.
Proibida a apresentação pública, o processo rolou durante anos.
Somente em sete de setembro de 1981 os brasileiros puderam ouvi-la novamente, junto ao Monumento do Ipiranga, executada em apoteose para um publico de oitocentas mil pessoas pelas orquestras Sinfônica Brasileira e do Teatro Municipal de São Paulo, sob a regência do maestro Issac Karabtchesky.
Alguns anos depois, em 1985 foi liberada a venda do disco da Fafá de Belém contendo outra versão do Hino Nacional, também proibida pela censura.
O LP correspondente tem, na contracapa, comovente opúsculo do escritor Mauro Santayana, não de censura à ditadura, mas de apoio ao hino nacional e à versão dada pela excelente cantora, que tanto desagradou aos militares.
Por coincidência ou de propósito, não sabemos, ambas as versões iniciam com o piano escandindo a melodia tão querida por todos nós, tradução musical da frase “Ouviram do Ipiranga...”
O que as diferencia não é somente o ritmo e o andamento.
Numa, é melancólico e dolorido, noutra, marcial e revolucionário, como convém à “periferia exótica”!
Entretanto, a versão cantada por Fafá de Belém é um arranjo, e a de Gottschalk, uma variação.
Para saber muito mais:
Vidossich, Edoard - Sincretismos na música afro-americana. Ed. Quiron/MEC S.PAulo, 1975
Muggiati, Roberto - contracapa do LP Gottschalk - Grande Fantasia Triunfal sobre o Hino Nacional Brasileiro. CID - Eugene List - piano; Samuel Adler - regência - 1985.
Santayana, Mauro - LP Aprendizes da Esperança - Fafá de Belém - Som Livre - 1985.
Pompéia, Raul - O Ateneu - qualquer edição.
Coutinho, Larry – Modinhas fora de moda e as chulices do lundu.
Larry Coutinho
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